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É preciso
Amar o outro

Ao ponto de manda-lo
Embora

É preciso amar o outro
E não o que ele lhe causa

Quem ama o amor do outro
Não está amando

Quem ama o prazer que sente
Não está amando

Quem ama o gozo
Que emana do outro

Não está amando

Quem ama no outro
Suas próprias qualidades

Não ama nem a metade

Quem ama os defeitos que o outro
perdoa

Não ama
Se confessa

Quem ama
Por promessa

Não tem fé

Quem ama por decreto
Nunca ama certo

Quem ama a vaidade
Que o outro lhe devolve

Acreditará que ama enorme

Quem ama o que o outro
Absorve

Se julga forte

E ama doente

Quem ama a fraqueza do outro
Pelo gozo do cuidado

Ama sua bondade
Não ao outro

Quem ama tudo o que entrega
Ama sua generosidade

E isso é bonito
Mesmo não sendo amor

De verdade

Quem ama mais do que pode
Ama o excesso
E o que isto custa

E por isso ama
Ter esta carta na manga

Quem ama
Mentindo a si mesmo

Ama a imagem que inventa
E tudo que ela representa

Quem ama sem que o outro queira
Ama ao contrário

A vontade alheia

Quem diz que ama
O tempo inteiro

Ama o som de sua voz

Quem ama a sós
Sabendo disso

Ama a solidão
Em sua fidelidade

Quem ama o que o outro
Não reparte

Ama sua pouca sorte
E se orgulha dela

Quem ama a fidelidade
Ama a ideia

De controlar o sexo
E com o sexo a vida

E com a vida o tempo

E nada nos afasta mais do amor
Do que ser deus

Só ama de verdade

Quem ama o outro
Até quando o outro

Parte

Ela disse
Que era minha

E eu
Engoli as letras

Escritas na tela fria
Uma a uma

Para que ela
Que disse assim

Como quem não consegue
Ou não precisa mentir

Se misturasse
A mim

Para que isso
Me ajudasse

A tê-la

Ela disse
Que era minha

Como quem diz
Sou branca

Tenho olhos castanhos

Disse
Como se isso

A descrevesse

Como se pertencer
A mim

Fosse algo
Que a acompanha desde sempre

E qualquer um pudesse conhecê-la
A partir desta afirmação

Ela disse que era minha
De forma tão simples

Como se isso fosse imutável
E definitivo

E leve como um cílio

Ela disse
Como se isso

Sempre tivesse existido

E eu acredito
Cegamente

No infinito contido
Em tudo que é escrito

Ela disse que era minha

E isso será
Sempre verdade

No tempo daquela frase

Everton Behenck

Você
Se expande dentro de mim

Empurrando rins
Coração

Pulmões

Você cresce
Em minhas vísceras

Dificulta a respiração
E o bom funcionamento

Dos órgãos internos

Move os braços
Expandindo minhas costelas

E elas ameaçam partir
Ao mesmo tempo que lutam

Para te conter

Você
Não para de crescer
Dentro de mim

E assim
Muda a fisiologia

Dificulta a circulação
Sanguínea

Desafia
A elasticidade da pele

Você cresce
Dentro de mim

E de tanto crescer
E forçar

Com o que houver de dor
E de paz

Ao se movimentar

Você ainda vai
Me deixar

Maior

Everton Behenck

Não tive coragem
De te ver morto

Meu amigo

Não tenho coragem
De te deixar morrer

Nem de deixar morrer
Tudo isso

Que inevitavelmente
Morre contigo

Sem que seja preciso
Minha permissão

Morre contigo
Amigo

A última ilusão
Da juventude

A imortalidade

Você deixou todos
Adultos

Em teu luto

E não é justo
Mudar a idade de todos

Anos e mais anos
No tempo de um susto

Mas não te culpo
Amigo

Certamente
Se dependesse de ti

Nós todos estaríamos aqui

Rindo de tudo isso
Voltando àqueles meninos

Dos retratos mais antigos

Mas agora
Sem teu humor

Que graça pode haver

Não adianta
Não consigo te deixar morrer

Minha vontade é ir até aí
E gritar bem alto

Porra, Pablo

E cavar com a voz
Até te encontrar

E rir um pouco mais

Não foi o bastante
E nunca teria sido

O bastante estar contigo

Ficamos aqui
Nós todos

Perdidos pelo mundo
E em tua ausência

E tudo o que ela significa
Para quem fica

O Peruca está voltando ao Brasil
Depois de tantos anos

Mateus logo aparece
Para um encontro

O Lúcio eu vi ano passado
Em Berlim

E lembramos de ti
E de todos

Regi tenho visto pouco
Apesar de estarmos em Porto

Mas tomamos uma cerveja esses dias
Em uma livraria

E rimos como sempre

O Polydoro não sei bem
Em Sampa talvez

Casando ou separando
Estudando

O Marcio pelo menos
Vejo sempre

Os ossos do ofício
Trabalhando a nosso favor

Pelo menos isso

O Diego foi quem teve força
Para levar nosso abraço

Antes que fosse tarde

Eu não pude
Sou covarde

Não consigo
Ver morrer assim

Um amigo

Não adianta
Não consigo

Então trate de pegar
A velha fantasia de presidiário

De desenho animado

Juntar todas aquelas historias velhas
Que vivemos repetindo

E trazer todas contigo
Para o próximo encontro

Everton Behenck

É fim de tarde
Sexta feira

E não consigo levantar da cadeira

O irmão da maior amiga
Morreu

E com ele a alegria da cidade
E de um país imaginário

E docemente
Real

Dentro de mim
Um amor se debate

No calor insuportável da tarde

Todos levam seus sorrisos
Para o final de semana

É sexta feira

E eu não consigo levantar da cadeira
Do trabalho

E nem consigo dizer
Se é tristeza de verdade

Ou se é só a lágrima
Petrificada

Arranhando sob as pálpebras

Everton Behenck

Para a querida Bárbara Nicolaiewsky. Passamos por essa sexta. Por mais que esta sexta não passe.

As belas palavras
Onde antes

Não havia nada

O silencio pelo qual
Se apaixonava

Procurando a fala

As belas palavras
Desmentindo o medo

Que as acompanhava

A morte e o desespero
E as doenças do sofrimento

Esquecendo por um momento
Seu destino de cimento

As belas palavras
Onde antes não havia nada

Se rendendo à boca
Que as beijava

As belas palavras

Saltando no imenso
Impossível

Do teu sorriso

Everton Behenck

O desespero
Desse apartamento

O vazio dos quadros
Se perdendo na memória das paredes

E como amavam
Os quadros apaixonados

As portas agora
Eternamente fechadas

Mesmo estando abertas

As portas
Já não levam a nenhum lugar

A tristeza do closet
Marcado pela mudança repentina

Não estão as roupas
As bolsas

Os sapatos

O espelho quebrado
As prateleiras arrancadas

Os parafusos retirados
E seus buracos

Ulcerados

A casa se alimenta
Dos restos que ficaram

Um pouco de lenha
Um frasco de remédio
Um grampo de cabelo

Os brinquedos da Cora
Repetindo que ela foi embora

O desespero desse apartamento
Sabendo que tudo ali dentro

Está perdendo o sentido

E logo
Estará fechado e vazio

O desespero desse apartamento
Nos esquecendo

Everton Behenck

Preciso terminar
De morrer

De uma vez

Que assim
Aos poucos

Tem doído tanto

Os olhos abrindo e fechando
Pela última vez

Sem realmente deixar de ver

A morte e a doença
E a tristeza lustrando o caixão

Carregando flores
Acendendo velas

Com a mão dela

Não pode ser
Essa coisa

De vida pingando
A conta gotas

Preciso acabar de morrer
De uma vez

Para voltar a viver

Everton Behenck

Revirar
O pensamento

Arrancar com os dedos

Por entre os cabelos
A dor de tudo que não pudemos

Revirar
O desespero

Como quem procura
A esperança entre as vísceras

Do dia

Revirar
A alegria

Mesmo que ela não exista

Revirar
O medo

Como quem procura
A saída

Em um incêndio

Revirar
A despedida

Revirar a morte
Para reaver

A vida

Everton Behenck

A poesia durou em mim
Exatos 34 anos

Depois foi virando
Dívida no banco

Reunião de última hora
Vaga no estacionamento

Despertador cada vez mais cedo

A poesia habitou meus dedos
Até os 34 anos

Depois foi virando
Sinal vermelho

Tratamento médico
Liquidação de verão

Comida pra cachorro
Receita de bolo sem glúten

A poesia vivia em mim
Até os 34 anos

Depois
Foi sumindo

Minguando
Partindo

Secando

E o que resta de poesia

É essa espera
Pelo o último aceno

Dela

Everton Behenck