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Sou senhor do meu reino
Mesmo que o reino
Desmorone todo o tempo
Mas é meu
O reino
Eu vivi, comprei
Paguei
Sofri o reino
É meu
Todo espaço em volta
Para onde não volto
Porque não quero
Porque é meu o reino
O castelo
Mesmo que o castelo tenha apenas
Duas portas
E uma esteja trancada
É minha a falta
Das coisas
É minha a tarde
Onde um dia amarela
E é dele o reino
Onde uma janela nunca viu
tanta beleza
É meu o povo todo
Do reino
Mesmo que o povo todo
Do reino
Seja eu comigo mesmo
Everton Behenck
O cavaleiro olha a torre
Que perigos a cercam
Quantos passos em torno
Quantos monstros em volta
Desembainha a espada
Descobre a fúria
Luta
Mata
Sangra
Sobe
Salva
Com um golpe certeiro
No próprio peito
Everton Behenck
Tenho a casa vazia
E uma taça sobre a mesa
Pedindo companhia
Uma toalha de rosto
Onde não se vê sorriso
Um vaso pedindo flores
Aos pares
Pedindo que troquem a água
Dos olhos
Tenho uma chave na porta
Sem cópia
Meio reflexo
No espelho
Tenho uma cama
De solteiro
Mesmo que ali
Caibam dois corpos
Tenho dois travesseiros
E só um acorda amassado
O outro amarga as olheiras
Tenho uma mesa
E nela um controle remoto
Que não sabe das pequenas brigas
Pelo programa de auditório
Tenho um armário
Que me entrega as roupas
Calado
E um cabide solitário
Gavetas esquecidas
Das roupas estampadas de alegria
Tenho toda uma vida
Pedindo para ser dividida
Everton Behenck
Não gosto tanto
Quanto parece
De ser essa prece
Ao pé de um santo
Que não chora sangue
Que não sabe
Do milagre
Não gosto tanto
Quanto pode parecer
De beber fogo
Sobre fogo
Até que o corpo apague
E alguém
Me acorde
Com a mão disforme
Não gosto tanto assim
De tudo o que corre
Em minhas veias
A alegria
Que engulo
Uma a uma
Até que o mundo
Suma
E sobre ele
Se erga
A loucura
E sobre ela
Uma lacuna
E dentro deste espaço
Uma felicidade
Idêntica a de verdade
(A não ser pelo prazo de validade)
Me dizendo que já é tarde
Para saber a diferença
Não gosto tanto assim
Dessa certeza
De que nada existe
A não ser dentro da minha cabeça
Mesmo que seja ela
Quem permite
Que eu me liberte
De nada adianta
Ser livre
Se nada existe
Não gosto tanto
Quanto você diria
Da verdade sob a língua
Dizendo aos olhos
Que tudo pode ser
Que a terra respira
E de seu suspiro
Nasce um filho
Meio planta meio vício
E de seu choro
Um poço
Onde nenhuma moeda
Mesmo aquela
Do desejo mais sentido
Encontra abrigo em seu fundo
E nessa queda
Eterna
Acordo perdido
Sem nunca ter dormido
Não gosto tanto assim
Do suicídio
Mas posso estar mentindo
Everton Behenck
Era uma vez
Dois
Um era ausência
O outro
Repleto silêncio
Um era o tempo
O outro
Era voz e voraz
Um era nós
O outro
era só
Um era pó
O outro
era pão
Era uma vez
Dois
Um era perto
O outro era parto
Um era santo
O outro
Nem tanto
Um era seco
O outro
Era prato. Servido.
Um era livre
O outro
Perdido
Era uma vez
Dois
Um era vida.
O outro
era volta
Um, alegria
O outro
Revolta
Um era amor
O outro
Era amar
Um era dor
O outro
Melhor
Era uma vez
Dois
Um era paz
O outro
paixão
Um era medo
O outro
Segredo
Um era pranto
O outro
Desejo
Um era tarde fria
O outro
Sabia
Até que um dia
Um se desfez
O outro se pôs
No lugar
Era uma vez
Dois
Iguais.
Everton Behenck
Nenhuma palavra é dita assim, fácil.
É preciso
Arrancá-la da pele.
Tirar o sangue
Do seu sentido.
Não ter medo
De sua veia aberta.
Ninguém escreve uma palavra assim, fácil.
O espelho de uma letra
Nem sempre mostra
A beleza de seu reflexo.
E é preciso saber olhar
O rosto disforme
Do que sentimos.
Para contá-lo.
E ao contá-lo
É preciso reconhecê-lo.
E estamos lhe oferecendo
A eternidade.
E é provável
Que ele sempre volte.
E nos será cobrado recebê-lo.
Escrever nunca é fácil.
É mais um traço.
Na parede de um condenado.
Everton Behenck