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O mundo não vai acabar com uma bomba atômica disparada por um ditador coreano. O mundo acaba nos olhos da dona Ivana quando olha o filho sob um lençol que alguém trouxe, mais por nojo do que por compaixão ao corpo.
O mundo não vai acabar com uma onda gigantesca e faminta que vai derrubar o Empire State e acabar com a ironia da Estátua da Liberdade. O mundo acaba nos olhos da Luísa de seis anos. Quando viu apagar a luz e o tio Luís lhe deu um beijo diferente e disse que tinha um segredo. E que ela era bonita e eles tinham que ficar bem juntos porque tinham o mesmo nome. E depois doía.
Era o mundo que tinha acabado.
O mundo não vai acabar em um terremoto. Que vai ruir o Corcovado e o monte Fuji ao mesmo tempo no maior espetáculo da terra.
O mundo vai acabar em silêncio.
No riso doído e pequeno de um homem sem nome de quem roubaram tudo. Até a imagem. O mundo acaba nos olhos que não veem nada naquele canto da calçada. E que cheiro horrível.
O mundo não vai acabar em uma epidemia gigantesca de alguma doença transmitida pelo ar ou pelo gozo. Que vai matar homens como moscas e quando alguém se aproximar da cura será tarde. O mundo acaba quando o menino passa em frente a minha casa voltando da escola com o dente quebrado e o rosto cortado e o nariz correndo de tanto chorar pra dentro, que menino que anda daquele jeito tem que tomar soco na cara e chute no cu pra aprender a ser homem.
E que sirva de lição praquela outra que esconde os peitos na blusa apertada por baixo da camisa solta. Aquele tecido asfixiando um par de seios é onde o mundo acaba.
O mundo não vai acabar em uma guerra onde homens matarão homens e drones sem sangue matarão mulheres e crianças. E que bom, assim dá menos trabalho pro psiquiatra do exército que vai ser o último a ir pro campo de batalha quando já não sobrar quase nada.
O mundo não vai acabar com tanques.
O mundo acaba quando Mauro não suporta olhar pra sua identidade e sente raiva de si mesmo porque não era para ser daquele jeito. E quando olha na TV um deputado diz aos berros que era melhor que ele estivesse morto e a economia agradece e pensa, sozinho no quarto, que ninguém pode saber, porque o menino aquele levou soco e chute no cu apenas por se mover diferente, imagina ele que é mulher por dentro. E se é pra morrer que seja com veneno, de vestido e batom vermelho, e ele mesmo faz o serviço e acredita que finalmente morre como todo mundo queria.
Mas morre bonita.
O mundo não vai acabar em gritaria e desespero porque vem o meteoro e acerta o planeta e mata de novo os dinossauros em que nos transformamos. E o céu fica lindo em fogo e até parece santo cavaleiro do apocalipse.
A Bíblia estava certa.
O mundo não vai acabar em um grande evento científico e astro físico. O mundo acaba junto com a garrafa e o tapa na cara porque eu sou o homem dessa casa e mulher minha não se dá ao desfrute e abaixa essa música e cala a boca e me chupa sua puta e ela quase não respira a boca cheia com o pau meio mole e quando os olhos deles se encontram: é aí que o mundo acaba.
O mundo não vai acabar com a cheia dos mares, Los Angeles afogada no oceano que tenta ser o céu de repente. O mundo acaba quando a gente já não se olha e quando fala não se entende e quando canta não se emociona e quando vai pra cama não beija e quando beija mal se encosta e quando acorda, não se levanta por mais que saia da cama e quando anda pela rua está sozinho até quando se esbarra e quando para pra pensar procura logo outra coisa pra fazer que dor insuportável que de tanto doer não dói e que ar esse que eu não respiro pensando em tudo isso e olha o céu. Não tinha visto.
O mundo acaba em um dia lindo.