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Sentir essa saudade. Olhar para essa saudade. Comer essa saudade como quem mastiga uma pedra e quebra os dentes e sangra e engole com dor o que nunca vai ser digerido.
Entender essa saudade. Aceitá-la.
Como tive de aceitar que você, mais uma vez, não acordou ao meu lado. Como tive que aceitar que não passamos desse mar de letras que se empilham sobre a tela fria, buscando calor e verdade nos olhos de quem lê. Somos esses olhos estáticos na foto ao lado da fala muda cheia de erros de digitação.
É saudade.
Passar a mão sobre seu pelo feito com cada beijo que não pude dar.Tenho andado pela cidade estranha. As vezes bebo. E enlouqueço. E viro mais de uma noite e não durmo, nem choro. A melhor meta anfetamina não dá mais que algumas horas de alegria química.
Espanta o sono. Quase espanta a falta.
Mas não sou mais esse. As vezes me mantenho terrivelmente sóbrio. E tampouco sei como existir nessa pele em que também não me reconheço. Sou de fato esse que está ao seu lado.
E não existe.
Sou esse fantasma. Sem corpo. Sem túmulo. Sem voz e sem forças. Para unir com as mãos as centenas de quilômetros e os destinos que insistem em manterem-se estranhos. O quanto ainda teremos de brigar com a vida empunhando apenas a palavra de amor?
A vontade de realizar o que a vida impede com tanta competência. Essa coragem de levantar a voz contra ela e cuspir amor na sua cara. Não temer sua vingança. O que pode a vida contra quem se ama?
O amor é essa matéria estranha. O amor não respeita as leis da física, o amor não se submete.
O amor é o que coloco no lugar dos olhos. Para ver dentro dessa saudade. E dentro dessa saudade, existe um retrato onde estamos velhos.
É preciso
Amar o outro
Ao ponto de manda-lo
Embora
É preciso amar o outro
E não o que ele lhe causa
Quem ama o amor do outro
Não está amando
Quem ama o prazer que sente
Não está amando
Quem ama o gozo
Que emana do outro
Não está amando
Quem ama no outro
Suas próprias qualidades
Não ama nem a metade
Quem ama os defeitos que o outro
perdoa
Não ama
Se confessa
Quem ama
Por promessa
Não tem fé
Quem ama por decreto
Nunca ama certo
Quem ama a vaidade
Que o outro lhe devolve
Acreditará que ama enorme
Quem ama o que o outro
Absorve
Se julga forte
E ama doente
Quem ama a fraqueza do outro
Pelo gozo do cuidado
Ama sua bondade
Não ao outro
Quem ama tudo o que entrega
Ama sua generosidade
E isso é bonito
Mesmo não sendo amor
De verdade
Quem ama mais do que pode
Ama o excesso
E o que isto custa
E por isso ama
Ter esta carta na manga
Quem ama
Mentindo a si mesmo
Ama a imagem que inventa
E tudo que ela representa
Quem ama sem que o outro queira
Ama ao contrário
A vontade alheia
Quem diz que ama
O tempo inteiro
Ama o som de sua voz
Quem ama a sós
Sabendo disso
Ama a solidão
Em sua fidelidade
Quem ama o que o outro
Não reparte
Ama sua pouca sorte
E se orgulha dela
Quem ama a fidelidade
Ama a ideia
De controlar o sexo
E com o sexo a vida
E com a vida o tempo
E nada nos afasta mais do amor
Do que ser deus
Só ama de verdade
Quem ama o outro
Até quando o outro
Parte
Ela disse
Que era minha
E eu
Engoli as letras
Escritas na tela fria
Uma a uma
Para que ela
Que disse assim
Como quem não consegue
Ou não precisa mentir
Se misturasse
A mim
Para que isso
Me ajudasse
A tê-la
Ela disse
Que era minha
Como quem diz
Sou branca
Tenho olhos castanhos
Disse
Como se isso
A descrevesse
Como se pertencer
A mim
Fosse algo
Que a acompanha desde sempre
E qualquer um pudesse conhecê-la
A partir desta afirmação
Ela disse que era minha
De forma tão simples
Como se isso fosse imutável
E definitivo
E leve como um cílio
Ela disse
Como se isso
Sempre tivesse existido
E eu acredito
Cegamente
No infinito contido
Em tudo que é escrito
Ela disse que era minha
E isso será
Sempre verdade
No tempo daquela frase
Everton Behenck
Você
Se expande dentro de mim
Empurrando rins
Coração
Pulmões
Você cresce
Em minhas vísceras
Dificulta a respiração
E o bom funcionamento
Dos órgãos internos
Move os braços
Expandindo minhas costelas
E elas ameaçam partir
Ao mesmo tempo que lutam
Para te conter
Você
Não para de crescer
Dentro de mim
E assim
Muda a fisiologia
Dificulta a circulação
Sanguínea
Desafia
A elasticidade da pele
Você cresce
Dentro de mim
E de tanto crescer
E forçar
Com o que houver de dor
E de paz
Ao se movimentar
Você ainda vai
Me deixar
Maior
Everton Behenck
Minhas ilusões de amor
Essas que hoje se espalham
Na invenção da memória
Essas que estão
Perdidas pela cidade
Na gaveta de alguém
Em um papel de presente
Em uma rolha de vinho
Minhas pequenas ilusões
De amor
E que hoje
Me fazem tanta falta
Essas pequenas pedras
De matéria sutil
Minhas ilusões
Que vem em ecos
Que vem escondidas em músicas
Que escuto sem querer
Na rua
Minhas ilusões
Desqualificadas pelo clichê
Ao chamar assim
Ilusões
Mas eram minhas
E eu as amava
E era tão bom o que faziam comigo
Minhas pequenas
Ilusões de amor
Espero que um dia
Sejam encontradas
Por outro poeta
Ainda garoto
E espero que isso
Traga alívio
E quem sabe
Ele rescreva
Todos os meus poemas
Everton Behenck
Preciso terminar
De morrer
De uma vez
Que assim
Aos poucos
Tem doído tanto
Os olhos abrindo e fechando
Pela última vez
Sem realmente deixar de ver
A morte e a doença
E a tristeza lustrando o caixão
Carregando flores
Acendendo velas
Com a mão dela
Não pode ser
Essa coisa
De vida pingando
A conta gotas
Preciso acabar de morrer
De uma vez
Para voltar a viver
Everton Behenck
Doutor
Procure cura
Para a mulher deitada
Em sua cama
Que muito ela chama
E ninguém responde
E a dor se esconde
Em seu travesseiro
Mande remédio
Doutor
Que a menina
Mesmo desprezada
Luta consigo
Para tirar alívio
Dos olhos aflitos
Ela não sabe doutor
Que está doente
E o que sente
É o sintoma
Da sua enfermidade
Seu pensamento
A morde doutor
E ela não pode
Lutar contra isso
Sem perder litros e litros
De seu brilho
E ela já brilhou muito
Doutor
Venha acudir
Que ela se refugia
Na raiva vazia
E são muitos os perigos
No lugar desconhecido
Onde esta
Que a prende
Lhe arranca os dentes
E os cílios
Não é bonito de ver doutor
Então venha
O mais brevemente
Porque ela
Já está perdendo as forças
De tanto lutar com essa outra
De tantos braços
E bocas que falam
E ouvido que inventam
E respiram
Não imagino
Que tipo de medicamento
Pode arrancar alguém
De dentro
Sem que esse
Não se despedace
Em mil partes
Fúteis como a tarde
Preciso saber doutor
Se ela sobreviveria
A anestesia
Por favor
Mande remédio
Porque é muito sério
Que uma mulher tão linda
Fique fraca e cinza
E que não se perceba mais
Aquela
Que espera dentro dela
Como um pássaro azul
Ela organiza as coisas
Tentando organizar a si mesma
Mas é como um castelo de areia
Vem sempre a onda
Quantas vezes é possível
Começar tudo do início
Existe remédio para isso?
Quanto sacrifício
Transformar a dor em ofício
Mande quem sabe
Tratamento
Unguento para seu tormento
Mande um remédio
Preciso cura-la
Porque a amo
E já não posso mais ama-la
Por favor
Doutor
Pesquise
Se a medicina
Já entende
Como se faz nascer gente
De gente adulta
Não há luta mais dura
A vida é uma carnificina
E vai devorar a menina
E morrerá nela
Essa mulher
Que nunca nasceu
Quantas vezes
Ela correu aos olhos
Para ver lá fora
Encontrar quem passa
Apaixonar um homem
Quantas vezes
Ela desapareceu
Os olhos e a respiração
Respirando escuridão
O rosto
Desfigurado
Quanto estrago
Quem já viu
Algo capaz de causar isso
A uma pessoa
Não ser capaz
De suportar o amor
Não ser capaz
De suportar a paz
Onde mais posso encontrar
Alivio para ela
Traga remédio doutor
Que morrer de amor
A muito não se usa
E enlouquecer é simples
Não é possível viver assim
Por tempo indefinido
Não é possível
Se perder pelas cores
De algo invisível
Me pergunto
O que acontece com seus olhos
Buracos negros
Absurdamente sólidos
Sugando tudo com sua gravidade
Olhos negros de verdade
Doutor
Não fuja da sua responsabilidade
Mande remédios
Urgentemente
Para um vulto
Que arde em febre
Para mantê-la leve
Para que ela desperte
Suavemente
E acorde o amor na gente
Mande remédio
Que ela merece
Saúde
E se remédio lhe sobrar
Doutor
Mande remédio para mim
Everton Behenck
*Homenagem ao poetinha e o seu Desespero da Piedade.
Eu ganho outras cores
E as vezes a escuridão intensa
Do que se apresenta
A vida sempre será imensa
Para quem a perceba
Eu ganho os sentidos
Despidos
Ao mínimo indício
Do vento vivo
Que sopra suas notas
E também a surdez
Da palavra torta
Eu ganho a possibilidade
De estar além do que se vê
Mas quem disse que é bonito
O que está escondido
Eu ganho o que é quase imperceptível
Mas quem disse
Que aquilo que quase não se percebe
Não é capaz de matar o que antes era alegre
Eu ganho a possibilidade linda
De ver tudo o que a vida
Muitas vezes não explica
E em troca sofro de forma explícita
Aonde ninguém mais sofreria
Everton Behenck
Poema resposta para que minha querida amiga Julia Duarte utilizasse em uma aula.
O que você está fazendo
Agora
Enquanto espero esse avião
Que não decola
Penso em você
Fazendo carinho na Cora
Contando para ela
Que logo estarei de volta
Penso em você
Fazendo as compras para me esperar
Comprando algo que eu goste
Gosto de você
Então me espere
Penso em você
Manobrando os carros
Um ao lado do outro
E nós separados
Penso em você
Comendo algo na cama
Enquanto eu falo uma língua
Estranha
Penso em que tipo de flor
Você colocou na sala
Enquanto arrumo minha mala
Penso no que vai nascer
Desse tempo que ficamos separados
Algo que só irá nos contar
O abraço
Berlim, Junho 2013.
Everton Behenck