You are currently browsing the category archive for the ‘filosofia’ category.
Ela disse
Que era minha
E eu
Engoli as letras
Escritas na tela fria
Uma a uma
Para que ela
Que disse assim
Como quem não consegue
Ou não precisa mentir
Se misturasse
A mim
Para que isso
Me ajudasse
A tê-la
Ela disse
Que era minha
Como quem diz
Sou branca
Tenho olhos castanhos
Disse
Como se isso
A descrevesse
Como se pertencer
A mim
Fosse algo
Que a acompanha desde sempre
E qualquer um pudesse conhecê-la
A partir desta afirmação
Ela disse que era minha
De forma tão simples
Como se isso fosse imutável
E definitivo
E leve como um cílio
Ela disse
Como se isso
Sempre tivesse existido
E eu acredito
Cegamente
No infinito contido
Em tudo que é escrito
Ela disse que era minha
E isso será
Sempre verdade
No tempo daquela frase
Everton Behenck
Não tive coragem
De te ver morto
Meu amigo
Não tenho coragem
De te deixar morrer
Nem de deixar morrer
Tudo isso
Que inevitavelmente
Morre contigo
Sem que seja preciso
Minha permissão
Morre contigo
Amigo
A última ilusão
Da juventude
A imortalidade
Você deixou todos
Adultos
Em teu luto
E não é justo
Mudar a idade de todos
Anos e mais anos
No tempo de um susto
Mas não te culpo
Amigo
Certamente
Se dependesse de ti
Nós todos estaríamos aqui
Rindo de tudo isso
Voltando àqueles meninos
Dos retratos mais antigos
Mas agora
Sem teu humor
Que graça pode haver
Não adianta
Não consigo te deixar morrer
Minha vontade é ir até aí
E gritar bem alto
Porra, Pablo
E cavar com a voz
Até te encontrar
E rir um pouco mais
Não foi o bastante
E nunca teria sido
O bastante estar contigo
Ficamos aqui
Nós todos
Perdidos pelo mundo
E em tua ausência
E tudo o que ela significa
Para quem fica
O Peruca está voltando ao Brasil
Depois de tantos anos
Mateus logo aparece
Para um encontro
O Lúcio eu vi ano passado
Em Berlim
E lembramos de ti
E de todos
Regi tenho visto pouco
Apesar de estarmos em Porto
Mas tomamos uma cerveja esses dias
Em uma livraria
E rimos como sempre
O Polydoro não sei bem
Em Sampa talvez
Casando ou separando
Estudando
O Marcio pelo menos
Vejo sempre
Os ossos do ofício
Trabalhando a nosso favor
Pelo menos isso
O Diego foi quem teve força
Para levar nosso abraço
Antes que fosse tarde
Eu não pude
Sou covarde
Não consigo
Ver morrer assim
Um amigo
Não adianta
Não consigo
Então trate de pegar
A velha fantasia de presidiário
De desenho animado
Juntar todas aquelas historias velhas
Que vivemos repetindo
E trazer todas contigo
Para o próximo encontro
Everton Behenck
As belas palavras
Onde antes
Não havia nada
O silencio pelo qual
Se apaixonava
Procurando a fala
As belas palavras
Desmentindo o medo
Que as acompanhava
A morte e o desespero
E as doenças do sofrimento
Esquecendo por um momento
Seu destino de cimento
As belas palavras
Onde antes não havia nada
Se rendendo à boca
Que as beijava
As belas palavras
Saltando no imenso
Impossível
Do teu sorriso
Everton Behenck
O desespero
Desse apartamento
O vazio dos quadros
Se perdendo na memória das paredes
E como amavam
Os quadros apaixonados
As portas agora
Eternamente fechadas
Mesmo estando abertas
As portas
Já não levam a nenhum lugar
A tristeza do closet
Marcado pela mudança repentina
Não estão as roupas
As bolsas
Os sapatos
O espelho quebrado
As prateleiras arrancadas
Os parafusos retirados
E seus buracos
Ulcerados
A casa se alimenta
Dos restos que ficaram
Um pouco de lenha
Um frasco de remédio
Um grampo de cabelo
Os brinquedos da Cora
Repetindo que ela foi embora
O desespero desse apartamento
Sabendo que tudo ali dentro
Está perdendo o sentido
E logo
Estará fechado e vazio
O desespero desse apartamento
Nos esquecendo
Everton Behenck
A poesia durou em mim
Exatos 34 anos
Depois foi virando
Dívida no banco
Reunião de última hora
Vaga no estacionamento
Despertador cada vez mais cedo
A poesia habitou meus dedos
Até os 34 anos
Depois foi virando
Sinal vermelho
Tratamento médico
Liquidação de verão
Comida pra cachorro
Receita de bolo sem glúten
A poesia vivia em mim
Até os 34 anos
Depois
Foi sumindo
Minguando
Partindo
Secando
E o que resta de poesia
É essa espera
Pelo o último aceno
Dela
Everton Behenck
Doutor
Procure cura
Para a mulher deitada
Em sua cama
Que muito ela chama
E ninguém responde
E a dor se esconde
Em seu travesseiro
Mande remédio
Doutor
Que a menina
Mesmo desprezada
Luta consigo
Para tirar alívio
Dos olhos aflitos
Ela não sabe doutor
Que está doente
E o que sente
É o sintoma
Da sua enfermidade
Seu pensamento
A morde doutor
E ela não pode
Lutar contra isso
Sem perder litros e litros
De seu brilho
E ela já brilhou muito
Doutor
Venha acudir
Que ela se refugia
Na raiva vazia
E são muitos os perigos
No lugar desconhecido
Onde esta
Que a prende
Lhe arranca os dentes
E os cílios
Não é bonito de ver doutor
Então venha
O mais brevemente
Porque ela
Já está perdendo as forças
De tanto lutar com essa outra
De tantos braços
E bocas que falam
E ouvido que inventam
E respiram
Não imagino
Que tipo de medicamento
Pode arrancar alguém
De dentro
Sem que esse
Não se despedace
Em mil partes
Fúteis como a tarde
Preciso saber doutor
Se ela sobreviveria
A anestesia
Por favor
Mande remédio
Porque é muito sério
Que uma mulher tão linda
Fique fraca e cinza
E que não se perceba mais
Aquela
Que espera dentro dela
Como um pássaro azul
Ela organiza as coisas
Tentando organizar a si mesma
Mas é como um castelo de areia
Vem sempre a onda
Quantas vezes é possível
Começar tudo do início
Existe remédio para isso?
Quanto sacrifício
Transformar a dor em ofício
Mande quem sabe
Tratamento
Unguento para seu tormento
Mande um remédio
Preciso cura-la
Porque a amo
E já não posso mais ama-la
Por favor
Doutor
Pesquise
Se a medicina
Já entende
Como se faz nascer gente
De gente adulta
Não há luta mais dura
A vida é uma carnificina
E vai devorar a menina
E morrerá nela
Essa mulher
Que nunca nasceu
Quantas vezes
Ela correu aos olhos
Para ver lá fora
Encontrar quem passa
Apaixonar um homem
Quantas vezes
Ela desapareceu
Os olhos e a respiração
Respirando escuridão
O rosto
Desfigurado
Quanto estrago
Quem já viu
Algo capaz de causar isso
A uma pessoa
Não ser capaz
De suportar o amor
Não ser capaz
De suportar a paz
Onde mais posso encontrar
Alivio para ela
Traga remédio doutor
Que morrer de amor
A muito não se usa
E enlouquecer é simples
Não é possível viver assim
Por tempo indefinido
Não é possível
Se perder pelas cores
De algo invisível
Me pergunto
O que acontece com seus olhos
Buracos negros
Absurdamente sólidos
Sugando tudo com sua gravidade
Olhos negros de verdade
Doutor
Não fuja da sua responsabilidade
Mande remédios
Urgentemente
Para um vulto
Que arde em febre
Para mantê-la leve
Para que ela desperte
Suavemente
E acorde o amor na gente
Mande remédio
Que ela merece
Saúde
E se remédio lhe sobrar
Doutor
Mande remédio para mim
Everton Behenck
*Homenagem ao poetinha e o seu Desespero da Piedade.
Eu ganho outras cores
E as vezes a escuridão intensa
Do que se apresenta
A vida sempre será imensa
Para quem a perceba
Eu ganho os sentidos
Despidos
Ao mínimo indício
Do vento vivo
Que sopra suas notas
E também a surdez
Da palavra torta
Eu ganho a possibilidade
De estar além do que se vê
Mas quem disse que é bonito
O que está escondido
Eu ganho o que é quase imperceptível
Mas quem disse
Que aquilo que quase não se percebe
Não é capaz de matar o que antes era alegre
Eu ganho a possibilidade linda
De ver tudo o que a vida
Muitas vezes não explica
E em troca sofro de forma explícita
Aonde ninguém mais sofreria
Everton Behenck
Poema resposta para que minha querida amiga Julia Duarte utilizasse em uma aula.
Se hoje
Consigo ser puro
É porque já estive no fundo
Do fundo do sujo
Já fui vil e mau
E provoquei dores enormes
Com um amor disforme
Se hoje carrego o afeto
Como cicatriz de guerra
É porque já matei e morri
Em muitos corpos
E alguns até hoje se decompõem
Sob minha pele
E existem milhares de cruzes
Em meu olhos
Se hoje consigo
Ser puro
É porque já afoguei meus pés
No escuro
Everton Behenck
Não somos
Todos
Como este cãozinho que me olha
Sem conseguir compreender
Ou falar sobre o que sente
Não estamos todos
No fim das contas
Esperando que alguém volte
Pela porta
Para nos refazer as horas
Não temos todos
Estes mesmos olhos pedintes
Escondidos em alguma parte do corpo
Em algum gesto
Quando se move
Ou em nosso caráter
Mesmo quando é violento
Em alguma
Já perdida
Natureza
De ser predador
E ser presa
Não estamos todos
Procurando algum carinho
Infinito
Companhia e comida
Para todo tipo de fome
Não somos todos
Como este cãozinho
Tomando meus remédios
Resmungando baixo
Sem saber se vão passar
Suas dores
Somos todos um pouco
Como este pequeno cachorro
Esperando que a vida lhe jogue
Um osso
Everton Behenck
A vida
Não é fácil, querida
Mas é possível
E é incrível estar vivo
Mesmo que agora não pareça
As vezes a vida
Se ausenta
Faz parte
Fique forte
No pensamento
De que tudo se move
Sua vida está indo
E não há sofrimento
Definitivo
Colecione suas dores
Com carinho
Um dia
Até elas farão falta
E devemos
Atravessar o tempo
Com todos os nossos
Pertences
E a dor está entre eles
Mas a dor passa
E sem dor
Não se faz nada
Everton Behenck