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Um poema
Não serve para nada
Nessas horas
Agora que não está em mim
Nenhuma gota
De lágrima ou lama
É preciso secar
E devorar a fome
Até que se quebrem os dentes
Em sua força
De tanto morder
O vazio da boca
Não me serve de nada
A poesia
Agora
Nem para riscar na pele
Um verso alegre
É preciso deixar a epiderme
Devorar seus vermes
Em paz
E o verso não serve
Para digerir
O que nos morde
Um verso agora
Não é possível
Por isso me agarro a ele
Com tanto carinho
Everton Behenck
Toma nas mãos
Esse carinho
Que não sabe dizer nada
E por isso mesmo
É tão cheio
De significado
Leva ao colo
Esse carinho
Feito um pouco
Do meu sono ausente
Antes de dormir
E do teu ao acordar
Um carinho feito
Dos dedos entre os cabelos
Cheios de vontade
De que não seja tarde
Para o carinho mais bonito
Esse que não sabe dos medos
Da ausência de fé
Da solidão dos versos
Da certeza da morte
Toma esse carinho
Leva aos olhos
E veja
Um carinho assim
É sempre uma vela
Acesa
Everton Behenck
Vê como é inútil
A torção dos versos
Em sua boca
Ou o silêncio
De teus ossos
Ou o estalo fraturado
De teu passado
Vê como é inutil
A marca do soco
Que te deram
A cor dos dentes
Em teu riso
O equilíbrio dos teus lábios
Fechados
Na medida inexpressiva
Do silêncio
Olha como são inúteis
Os contornos
Do teu rosto quando goza
Ou a força anterior ao gozo
Não é amor
Ainda que seja
E ninguém sabe o que se acomoda
No suor que se renova
Vê como é inutil teu trabalho
Árduo
Que te cobra o quanto paga
Infinitas vezes
Esse sucesso
O eventual dinheiro
A possível cobiça
Tua promoção
Ou tua aposentadoria
O cansaço das tuas mãos
Ao baterem no chão
Vê como é inutil
Teu cuidado
Para não ferir o ente amado
Para odiar com força
O inimigo
Olha teu sangue inútil
O ar inútil nos pulmões
Sem serventia
O quanto é inutil
Teu dia
E o amanhecer dos olhos
Aperta contra o peito
Essa inutilidade
E ela quem sabe
Te console
Everton Behenck
Se não fosse amor
Eu já teria colocado
As mãos sobre o rosto
Pela última vez
Já teria visto
Que uma mulher
Se reinventa semanalmente
Para que eu a perceba
E outra gostaria
Que eu estivesse em sua cama
Apenas para que ela
Me visse dormir
Se não fosse amor
Eu já teria
Parado de escrever
Tantos poemas te chamando
Everton Behenck