You are currently browsing the monthly archive for outubro 2008.
Eu não escrevo
Para aqueles
Que dissecam poemas
Como sapos
Eu não escrevo
Para aqueles que esperam
Um tiro na linguagem
(Minha mira só aponta
minha própria face)
Eu não escrevo para aqueles
Que esperam um alento
Eu só tento
As vezes
E sem sucesso
Sonhar
Eu não escrevo para aqueles
Ditos
Malditos
Venha passar uma noite comigo
E escreva isso
Você mesmo
Eu não escrevo
Para quem procura respostas
Somente um único ponto de interrogação
Acentua
Até a última certeza
Eu não escrevo para o seu divertimento
Apesar do sorriso pintado
Eu não escrevo inventando a delicadeza
Ela é só o antídoto da minha natureza
Eu só escrevo
No fim das contas
Porque não sei fazer bombas
Everton Behenck
Como voltaria
Por uma trilha
Tão antiga?
Onde fantasmas espreitam
Onde tantos versos se perderam
De certo te pegarão a mão
Te roubarão o beijo
E o abraço que traz
Será desfeito
Como voltaria?
Por uma trilha
Onde as placas já não dizem bom dia
Boa tarde
Que saudade
Há quanto tempo?
De certo esse silêncio
Te cobrirá a boca
Não deixará que me chame
Não lembrará meu nome
Como voltaria
Por uma trilha
Tão antiga?
Everton Behenck
Guardo a palavra
Para não sentar à sombra
De uma árvore
Sozinho
O mundo também está perdido
[Não importa que eu não me encontre]
Everton Behenck
Tenho esse amor
Inegociável por ti
Esse que a razão
Rejeita
E bate nas mãos
Para evitar o toque
Para educar a infância
Do que te ofereço
Sem saber o preço
Tenho esse carinho
Pelo que guarda entre os cílios
Esses pedidos
Perdidos
Na esperança
Linda
Da tua retina
Tenho esse zelo
Desmedido
Sempre no apelo
De mais um beijo
Antes de ir embora
Tenho a porta
Trancada à chave
Para que você não volte
Mas ao amanhecer
É sempre você
Na minha cama
Tenho esse amor
Sempre nascendo
No desespero
De perdê-lo
Everton Behenck
Um verso
Natimorto
Velo na boca
A palavra não dita
Everton Behenck
Hei você
Vestindo a camisa
De força
Da última moda
Você que se acha ótima
Por ter quase o mínimo
De atenção
Com quem não tem chão
Hei você
Você mesma
Esqueça
Everton Behenck
Que posso fazer
Se aqui tudo é urgente
E dolorido
E o sentido é uma agulha
Sempre me tirando
Um tanto de paz
A conta gotas
Que posso fazer
Se sou esse grito contido
E a cara que se faz
Ao conter o grito
É sempre um misto aflito
De dor
E dizer
Que posso fazer
Se me pesa
Até essa certa delicadeza
Que me cerca
As palavras
Não posso fazer nada
Se elas me tomam a casa
Sussurrando como fantasmas
Suas dores
Pedindo o exorcismo de um verso
Não quero todo esse peso
Eu queria mesmo
Poder me calar
Everton Behenck
Sua presença
Aranhou a porta
Como um bicho
Matou o protagonista
De todos os livros
Fez tremer a janela
Como o vento que não era
Choveu na paisagem do quadro
E a mulher aquela
Pintada
Acabou de pernas abertas
Sozinha na chuva
E parecia você nua
E era minha a culpa
Sua presença
Deixou a luz acesa
A noite inteira
Aproveitou que você não estava
Everton Behenck
Ela deitou em minha cama
E dentro dela
Me fiz à parte
Bati asas
Ela voltou para casa
Olhou o espelho
O seio cheio
De espera
Ela agora
Me continha
E deitada em sua cama
Imaginou a barriga
Desfazer sua planície
Amanhecer
Imaginou meu beijo
As mãos em volta
O ouvido colado
Os olhos fechados
Pedindo ao menino
Que venha
Para que eu veja seu rosto
E compare as semelhanças
O nariz
A boca
O jeito
De não chorar direito
Quando dói
Chorou ao imaginar o berço
O brinquedo pendurado
O verso
Como certidão de nascimento
Do que seria
O filho da poesia
Everton Behenck
Onde te escondeu
No fim daquele dia
Eu ainda conto
Aquelas horas
E você ainda vai embora
Todas as manhãs
E não volta
E talvez seja por isso
Que não quero um filho
Eu te dei a extrema unção
Pai
Te toquei a testa
Atirei o primeiro punhado
De terra
Mas fui buscar teus dentes
No outro dia
Para colocar em minha boca
Sempre foi você
No meu rosto
Sempre fomos
Uma mesma parte
Em seu caráter
Herdei de ti
O amor à mulher
E seu vício
A dureza do que é reto
A diferença
É que sou minha própria medida
Eu crescia
E ia em tua direção
(mesmo no sentido contrário)
Você mais velho
Vinha a mim
Criança em sua esperança
E fizemos uma ciranda
Com nossos passos
Trocados
Eu herdei de ti
A vontade de voltar
Everton Behenck