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Fui eu
Quem te fez assim
E carregou
Pesada e cegamente
Teus braços
Tuas pernas
O caráter das tuas mãos
Incapazes
De um gesto covarde
O medo
E o susto
De que o tempo
Realmente passa
E não há outro lugar
Para escrever
Que não o rosto
Fui eu quem te fez
Para que tu fosse
Essa contradição
Para que tu
Te libertasse
Para entender
Que é tarde
Sem que seja
(O tempo e suas proezas)
Fui eu
Quem te deixou falar
E cortar a mão
Para ser lembrado
Acordar é necessário
Até para quem está acordado
Everton Behenck
Por isso
Ficamos
Aqui mais um ano
Para aprender o carinho
Para entender a delicadeza
E a necessidade urgente
Do beijo
Por isso cumprimos
Nosso destino
De incerteza
Para aceitar que a vida
É linda
Justamente em seu mistério
E que somos mais
Quando entendemos a força
Do gesto
O afeto é nosso
Para que possamos dizer
O que sentimos tanto
Nesse pequeno espaço
Apertado
Onde somos
Realmente humanos
Everton Behenck
Não serei
Aquele que te dirá
Em uma manhã de terça-feira
Que deveríamos
Aproveitar o surto de gripe
E ficar na cama
No calor de uma desculpa
Pura
Não serei aquele
Que perderá a hora
Para buscar os filhos na escola
Não serei aquele que volta
Mais tarde do que deveria
Te deixando acordada
E aflita
E ainda mais brava
Por que isso mostra
Acima de tudo
O quanto você se importa
Não serei aquele
Que adora
Te ver irritada
Aquele que adora
Te ver
E mais nada
Não serei aquele
Que jogará a toalha
Molhada sobre a cama
Nem serei aquele
Que comemora
O primeiro beijo
A qualquer momento
Não serei
Porque nunca nos conheceremos
Everton Behenck
A última rosa
Oferecida no sinal
Fechado
O último copo
E nele o último gole
Forte
O último mormaço
Em seu calor de aço
O último abraço
E o que diz
Uma última vez
Aos ossos
O último passo
Antes da cama
E no travesseiro
A última fronha
E o formato da cabeça
Impresso nas penas
O último sussurro
À orelha
E nele
O último segredo
O último medo
Tão inteiro
O último desespero
Da pálpebra
Solitária
Uma última vez
A última intuição
Do nada
Everton Behenck
É possível dizer
Do amor
Que ele pode
Mostrar toda sua estatura
Em algo tão pequeno
Quanto a intenção do beijo
Que não demos
Podemos dizer
Do amor
Que ele passa
Já que o sentido de tudo
É ir
Mas mesmo
Que se desfaça
Deixa tudo de si
Aqui
Na intensidade
Do que se opõe
À lógica das coisas
O amor foi feito
Para nos contradizermos
Desaparece
Mas nunca se ausenta
Se desintegra
Para provar sua existência
Partiremos do amor
Sempre contrários
Na intenção mais sincera
De achá-lo
Everton Behenck