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Todos tivemos

Esse desejo infantil

De escrever o futuro
Como uma carta para si

Todos tivemos um beijo
Que nos cortou a voz

E uma boca a inventar
Para que a luz tivesse a quem corresponder

Todos tivemos a sensação
De um dia ter todos os nossos anos nas mãos

E então envelhecer
E já não ter

E não ser o que tanto quis

Todo mundo tem
O que não foi

Só o que não foi permanece

Todos tivemos
Um filho

Dentro dos planos
De ter um filho

E um filho dentro de nós
Morreu

Todos tivemos alegria

Que em tudo sabia
Não durar

Mas sempre resta um dia
Como um afogado

Prestes a ser resgatado

A vida
Essa água entrando nos pulmões

Todos tivemos o espelho
Que um dia deixa de nos ser

E como faz para reconhecer
Dentro do rosto que nos restou

O que há para refletir

Todos tivemos um bom amigo
Que morreu

E outro que mudou

E qual desses dois
Seremos nós

Todos tivemos

Um lado de dentro para olhar
O de fora para exibir

E tempo para se arrepender

Todos temos
Tanto para morrer

Mas temos o olhar

E nele o que ainda há
Tempo de ser

De duvidar
E entristecer

E com um pouco de sorte

Outro para encontrar
Antes que seja tarde

Depois da verdade

Everton Behenck

[Inspirado por Ana Mira]

Foto: Chsristopher McKenney.

A imagem pode conter: pessoas sentadas e atividades ao ar livre