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Trabalhamos
Com pensamentos antigos
Mas em perfeito estado
De conservação
Certezas seminovas
Mas sem manual em nossa língua
Servimos carinho
Descrito e imaginado
Sobre o papel
E sobre a pele
Sendo a pele
Mais aderente
Ao beijo e ao toque
Deixando ao fundo
Uma leve lembrança
De cama desfeita
Trabalhamos com suposições
De todas as cores e tamanhos
Instantâneas
Ou a serem reveladas
Com calma de sala escura
E nossa especialidade
É imaginar cada dia
Como uma saudade tardia
Everton Behenck
Como seria
Lembrar o que fomos
Após tantos anos
Seria um vácuo
Entre meus braços
Tua ausência
Ou só uma dor ingênua
Tua lembrança faria
Se desfazerem as rugas
Ou deixaria gravado
Em meu epitáfio
Um abraço cansado
Ou seria
Só minha poesia
Inventando um elo
Entre dois velhos
Everton Behenck
Nada mais me emociona
Então
Me emociona o vácuo
Em sua incapacidade de chorar
Nada mais
Me adentra os olhos
Buscando a lágrima
Então
Choro de saudade
Nada mais me guia
Na luz de um sonho
Então
Ando ao encontro
Dessa solidão
Que somos
Everton Behenck
Como se dá isso
De não sentir nada
E saber
Por isso mesmo
Que é dor
E oferecer essa matéria
De que é feita a ausência
Como se fosse uma jóia
Lapidada
Para nada
Um anel de casamento
Ao avesso
Como acontece isso
De tentar mover as palavras
E elas
Ao menor sinal da fala
Se tornarem tão pesadas
Everton Behenck
Não quero a fome
De quem dá a seus cães
Sempre o mesmo nome
Deixe que morram
As identidades
Quem sabe assim você me reconheça
Não quero as rugas
De quem beija
Sempre com a mesma língua
Infecta de fatos
Consagrados
Um discurso
Não é uma declaração de amor
Uma fala
Não é uma declaração de amor
Pouco importa em que palco
É encenada
Não quero o desejo
De quem arranca
Qualquer planta
Que não tenha sido
Cuidadosamente semeada
Em fileiras
Contaminadas
De simetria
Não queria que você me catalogasse
E me repetisse
Como a uma tese
Que comprova
Sem sombra de dúvidas
Coisa nenhuma
Everton Behenck
Há nessas noites
Embriagadas de bandeiras
Camisas coloridas
E gritos de gol
Uma solidão particular
Viva
Dividida nas palavras
Que a cidade suspira
Em seus pulmões de gigante
Há essa solidão
Em estado sólido
Como se tudo repetisse
Às paredes do quarto
Que todas as janelas
Deveriam estar abertas
Para o mesmo lado
E pesam os quadros
Voltados para a tela
E é como um insulto
Minha ausência
Me deixaram só
Com a consciência
Do papel na caneta
Everton Behenck
Venho desintegrando
Minha integridade
Sistematicamente
Venho despedaçando
O que sinto pelos outros
O que penso
De mim mesmo
Venho
Triturando amores
Entre os dentes
Despistando amigos
Agredindo minha consciência
Com todo o tipo de substância
Tremendo as mãos dentro das mangas
Amargando mágoas recém arrancadas
Fingindo carinho em tantas camas
Venho desintegrando
Planos
Ossos
Neurônios
Venho me transformando
Dia a dia
Em minha melancolia
Everton Behenck
Como pode
Alguém lutar assim
Por mim
Com essa certeza
De que tenho
O que não suponho
O que ela enxerga
Em meus olhos
Que não vejo
O que ela vê
Através do medo
No que dizem meus dedos
O que há para ela
No fim desse arco íris
Em branco e preto
Everton Behenck
Sob um sol
De domingo
Grandes questões
Dão seus sermões
A uma platéia
Alheia ao pensamento
Denso
Voltadas para o outono
Do sono
A tarde de domingo
É como um gato
Exigindo carinho
Urgente e macio
O domingo
Felino
Faz uma cama
Em minha voz
E esse sol dormindo
Sonha comigo
Everton Behenck
Quem agora
Espera uma palavra?
Pensando
Que seria tão dolorido
Estalar os dedos
Na mão trançada
Dizendo:
Não há de ser nada
É a vida
Vamos em frente
Quem espera uma palavra
Espera sob a pele
O silêncio testando o tato
Palmo a palmo
O verbo como uma faca
Pulando entre os dedos
Do silêncio
Cada vez mais rápido
Quem agora
Espera uma palavra
Tentando esquecê-la?
É tão bonita
A brincadeira
A espera
E a quarta feira
Nesse esconde esconde
Everton Behenck