You are currently browsing the monthly archive for julho 2009.

Trabalhamos
Com pensamentos antigos

Mas em perfeito estado
De conservação

Certezas seminovas
Mas sem manual em nossa língua

Servimos carinho

Descrito e imaginado
Sobre o papel

E sobre a pele

Sendo a pele
Mais aderente

Ao beijo e ao toque

Deixando ao fundo
Uma leve lembrança

De cama desfeita

Trabalhamos com suposições
De todas as cores e tamanhos

Instantâneas

Ou a serem reveladas
Com calma de sala escura

E nossa especialidade
É imaginar cada dia

Como uma saudade tardia

Everton Behenck

Como seria
Lembrar o que fomos

Após tantos anos

Seria um vácuo
Entre meus braços
Tua ausência

Ou só uma dor ingênua

Tua lembrança faria
Se desfazerem as rugas

Ou deixaria gravado
Em meu epitáfio

Um abraço cansado

Ou seria
Só minha poesia

Inventando um elo
Entre dois velhos

Everton Behenck

Nada mais me emociona
Então

Me emociona o vácuo
Em sua incapacidade de chorar

Nada mais
Me adentra os olhos

Buscando a lágrima
Então

Choro de saudade

Nada mais me guia
Na luz de um sonho
Então

Ando ao encontro
Dessa solidão

Que somos

Everton Behenck

Como se dá isso
De não sentir nada

E saber
Por isso mesmo

Que é dor

E oferecer essa matéria
De que é feita a ausência

Como se fosse uma jóia
Lapidada

Para nada

Um anel de casamento
Ao avesso

Como acontece isso
De tentar mover as palavras

E elas
Ao menor sinal da fala

Se tornarem tão pesadas

Everton Behenck

Não quero a fome
De quem dá a seus cães

Sempre o mesmo nome

Deixe que morram
As identidades

Quem sabe assim você me reconheça

Não quero as rugas
De quem beija

Sempre com a mesma língua

Infecta de fatos
Consagrados

Um discurso
Não é uma declaração de amor

Uma fala
Não é uma declaração de amor

Pouco importa em que palco
É encenada

Não quero o desejo
De quem arranca

Qualquer planta
Que não tenha sido

Cuidadosamente semeada
Em fileiras

Contaminadas
De simetria

Não queria que você me catalogasse
E me repetisse

Como a uma tese

Que comprova
Sem sombra de dúvidas

Coisa nenhuma

Everton Behenck

Há nessas noites
Embriagadas de bandeiras

Camisas coloridas
E gritos de gol

Uma solidão particular
Viva

Dividida nas palavras
Que a cidade suspira

Em seus pulmões de gigante

Há essa solidão
Em estado sólido

Como se tudo repetisse
Às paredes do quarto

Que todas as janelas
Deveriam estar abertas

Para o mesmo lado

E pesam os quadros
Voltados para a tela

E é como um insulto
Minha ausência

Me deixaram só
Com a consciência

Do papel na caneta

Everton Behenck

Venho desintegrando
Minha integridade

Sistematicamente

Venho despedaçando
O que sinto pelos outros

O que penso
De mim mesmo

Venho

Triturando amores
Entre os dentes

Despistando amigos

Agredindo minha consciência
Com todo o tipo de substância

Tremendo as mãos dentro das mangas
Amargando mágoas recém arrancadas

Fingindo carinho em tantas camas

Venho desintegrando
Planos
Ossos
Neurônios

Venho me transformando
Dia a dia

Em minha melancolia

Everton Behenck

Como pode
Alguém lutar assim

Por mim

Com essa certeza
De que tenho

O que não suponho

O que ela enxerga
Em meus olhos

Que não vejo

O que ela vê
Através do medo

No que dizem meus dedos

O que há para ela
No fim desse arco íris

Em branco e preto

Everton Behenck

Sob um sol
De domingo

Grandes questões
Dão seus sermões

A uma platéia
Alheia ao pensamento

Denso

Voltadas para o outono
Do sono

A tarde de domingo
É como um gato
Exigindo carinho

Urgente e macio

O domingo
Felino

Faz uma cama
Em minha voz

E esse sol dormindo
Sonha comigo

Everton Behenck

Quem agora
Espera uma palavra?

Pensando
Que seria tão dolorido

Estalar os dedos
Na mão trançada

Dizendo:

Não há de ser nada
É a vida

Vamos em frente

Quem espera uma palavra
Espera sob a pele

O silêncio testando o tato
Palmo a palmo

O verbo como uma faca
Pulando entre os dedos
Do silêncio

Cada vez mais rápido

Quem agora
Espera uma palavra

Tentando esquecê-la?

É tão bonita
A brincadeira

A espera
E a quarta feira

Nesse esconde esconde

Everton Behenck