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A poesia durou em mim
Exatos 34 anos
Depois foi virando
Dívida no banco
Reunião de última hora
Vaga no estacionamento
Despertador cada vez mais cedo
A poesia habitou meus dedos
Até os 34 anos
Depois foi virando
Sinal vermelho
Tratamento médico
Liquidação de verão
Comida pra cachorro
Receita de bolo sem glúten
A poesia vivia em mim
Até os 34 anos
Depois
Foi sumindo
Minguando
Partindo
Secando
E o que resta de poesia
É essa espera
Pelo o último aceno
Dela
Everton Behenck
Eu ganho outras cores
E as vezes a escuridão intensa
Do que se apresenta
A vida sempre será imensa
Para quem a perceba
Eu ganho os sentidos
Despidos
Ao mínimo indício
Do vento vivo
Que sopra suas notas
E também a surdez
Da palavra torta
Eu ganho a possibilidade
De estar além do que se vê
Mas quem disse que é bonito
O que está escondido
Eu ganho o que é quase imperceptível
Mas quem disse
Que aquilo que quase não se percebe
Não é capaz de matar o que antes era alegre
Eu ganho a possibilidade linda
De ver tudo o que a vida
Muitas vezes não explica
E em troca sofro de forma explícita
Aonde ninguém mais sofreria
Everton Behenck
Poema resposta para que minha querida amiga Julia Duarte utilizasse em uma aula.
As vezes
Tenho certeza
Que explodirei a cabeça
Em algum momento
Ou tomarei veneno
Quando ficar velho
E muito mais
Cansado
Paro
E digo
A um grilo surdo
Que mora em meu ouvido
Digo alto
Para que ele repita
Nada mais brega
Que um poeta
Suicida
Everton Behenck
Não espero que nosso amor
Quebre seus ossos
Para caber em outro corpo
Não vou forçar
A reencarnação
Temos nossas próprias
Cores inóspitas
E não pretendemos
Transformar um no outro
Para que eles se anulem
Eu existo
Para que você exista
E hoje
Nenhum de nós liga
Para as coisas que nos separam
Sem que nos afastem
Não somos metades
Nem a terra prometida
Somos humanos
E isso é ter algo faltando
Não somos o que se encaixa
Nem o que se completa
Alguns lugares foram feitos
Para ficarem vazios
E ficarão
Não somos
Almas gêmeas
Ela fala com seu anjo
Enquanto eu
Enfio o dedo no nariz de deus
Não pertencemos um ao outro
Sendo que a vida pode nos tirar
A qualquer hora
Sem maiores explicações
E isso
Faz toda diferença para mim
Nós não somos um casal de novela
Nem impressa
Nem das oito
Nós não somos espelho
Um do outro
Não olho para ela para me ver
Olho para ela para vê-la
Mas isso não impede que ela seja
Uma espécie de versão de mim
Que existiria em algum universo
Paralelo
Somos um encontro
Fundador na vida do doutro
Nós
Nos inauguramos
Somos o hemisfério esquerdo
E direito
Do mesmo cérebro
Somos o exato instante
Do ataque
Epilético
Depois
Somos o remédio
Everton Behenck
Pequenina
O que você nos ensina
Sozinha
Em sua cama de cimento
Que a vida passa
E não vemos
E que um dia
Não voltaremos
Hoje você dorme
Como todos dormiremos
E quem sabe
O chão sonha contigo
Molhado pelas lagrimas dos filhos
Será que você sabe
Nessa noite enorme
Que te cobre
Que salvou meu casamento
Com essa sabedoria
Que já não respira
Eu olho o espelho
E te procuro ali dentro
Esses vinte e cinco por cento
De mim que te cabem
Você enganou a morte
Tantas vezes
Você ficou
naquele chão quente
Mas voltou com a gente
Aquele bebê
Tem teus olhos
E te pertence
E meu filho
Também será parecido contigo
E só existirá por tua causa
De muitas formas
Que longa tua vida pequenina
Que acaba e nunca termina
Everton Behenck
Vocês não tem pena
Desse bicho
Sozinho
Perdido no abismo
Da autoconsciência
Atado à presença da morte
Vocês não se comovem
Com esse animal
Que sabe somente o suficiente
Para entender
Que não entende
Como pode um cão
Despertar mais compaixão
Se é o homem
Quem mais precisa de amor
Vocês não se compadecem
Dessa espécie
Que simplesmente
Não consegue
Vocês não percebem
Que é preciso
Dedicar todo o carinho
Para tirar o homem
De dentro do bicho
Everton Behenck
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Preciso escrever um poema
Mesmo que nada em mim
Tenha um rosto
Para virar
Em direção ao verso
A cidade pressente a treva
E a noite não é mais
Que um diluvio de sombra
Mas preciso urgentemente
Escrever um poema
Antes que escureça
Meus olhos
E minhas mãos
Não seguram
A palavra que passa
A ausência me impede
Com sua mão enorme
E sou como um boneco
De ventríloquo
Que ninguém manipula
Os olhos abertos
E a face muda
Os computadores todos escrevem:
Não há poesia
Mas preciso escrever um poema
Com a urgência
De quem sangra
Sem que se perceba
Preciso escrever
Esse poema
Para que ele me convença
Everton Behenck
O prodígio de linguagem
Na face apaixonada
A inconsequência dos olhos
Vidrados
O sono desprotegido
O passo emancipado de si
O gesto multiplicado
A bagagem de uma vida
Na mala de viagem
Atravessar o dia
Como a um oceano
Os remos invisíveis
Na água invisível
Enfrentando o vento
Que não vemos
Os dedos escrevendo no ar
As palavras de um idioma
Próprio
Uma oração sem deus ou milagre
E por isso santa e infinita
A boca selada
Pela língua inútil
O amor de todos os amores
Juntos
Na violência onde tudo é criado
A partir do passado
Tudo o que sabemos do amor
E todo o amor que perdemos
Renascendo imenso
No amor que temos
Everton Behenck
A solidão
Do osso sob a carne
Da pálpebra no avesso dos olhos
Dos poros
Milimetricamente
Isolados
da língua
Sem companhia
A solidão da orelha esquerda
Em relação a direita
A solidão do pelo
Entre as sobrancelhas
Do cílio perdido
Procurando abrigo
Dentro do olho
Apartado pelo sopro
A solidão do estômago
Vazio
A solidão
De cada célula
Que já não se regenera
Everton Behenck