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Não tive coragem
De te ver morto
Meu amigo
Não tenho coragem
De te deixar morrer
Nem de deixar morrer
Tudo isso
Que inevitavelmente
Morre contigo
Sem que seja preciso
Minha permissão
Morre contigo
Amigo
A última ilusão
Da juventude
A imortalidade
Você deixou todos
Adultos
Em teu luto
E não é justo
Mudar a idade de todos
Anos e mais anos
No tempo de um susto
Mas não te culpo
Amigo
Certamente
Se dependesse de ti
Nós todos estaríamos aqui
Rindo de tudo isso
Voltando àqueles meninos
Dos retratos mais antigos
Mas agora
Sem teu humor
Que graça pode haver
Não adianta
Não consigo te deixar morrer
Minha vontade é ir até aí
E gritar bem alto
Porra, Pablo
E cavar com a voz
Até te encontrar
E rir um pouco mais
Não foi o bastante
E nunca teria sido
O bastante estar contigo
Ficamos aqui
Nós todos
Perdidos pelo mundo
E em tua ausência
E tudo o que ela significa
Para quem fica
O Peruca está voltando ao Brasil
Depois de tantos anos
Mateus logo aparece
Para um encontro
O Lúcio eu vi ano passado
Em Berlim
E lembramos de ti
E de todos
Regi tenho visto pouco
Apesar de estarmos em Porto
Mas tomamos uma cerveja esses dias
Em uma livraria
E rimos como sempre
O Polydoro não sei bem
Em Sampa talvez
Casando ou separando
Estudando
O Marcio pelo menos
Vejo sempre
Os ossos do ofício
Trabalhando a nosso favor
Pelo menos isso
O Diego foi quem teve força
Para levar nosso abraço
Antes que fosse tarde
Eu não pude
Sou covarde
Não consigo
Ver morrer assim
Um amigo
Não adianta
Não consigo
Então trate de pegar
A velha fantasia de presidiário
De desenho animado
Juntar todas aquelas historias velhas
Que vivemos repetindo
E trazer todas contigo
Para o próximo encontro
Everton Behenck
Doutor
Procure cura
Para a mulher deitada
Em sua cama
Que muito ela chama
E ninguém responde
E a dor se esconde
Em seu travesseiro
Mande remédio
Doutor
Que a menina
Mesmo desprezada
Luta consigo
Para tirar alívio
Dos olhos aflitos
Ela não sabe doutor
Que está doente
E o que sente
É o sintoma
Da sua enfermidade
Seu pensamento
A morde doutor
E ela não pode
Lutar contra isso
Sem perder litros e litros
De seu brilho
E ela já brilhou muito
Doutor
Venha acudir
Que ela se refugia
Na raiva vazia
E são muitos os perigos
No lugar desconhecido
Onde esta
Que a prende
Lhe arranca os dentes
E os cílios
Não é bonito de ver doutor
Então venha
O mais brevemente
Porque ela
Já está perdendo as forças
De tanto lutar com essa outra
De tantos braços
E bocas que falam
E ouvido que inventam
E respiram
Não imagino
Que tipo de medicamento
Pode arrancar alguém
De dentro
Sem que esse
Não se despedace
Em mil partes
Fúteis como a tarde
Preciso saber doutor
Se ela sobreviveria
A anestesia
Por favor
Mande remédio
Porque é muito sério
Que uma mulher tão linda
Fique fraca e cinza
E que não se perceba mais
Aquela
Que espera dentro dela
Como um pássaro azul
Ela organiza as coisas
Tentando organizar a si mesma
Mas é como um castelo de areia
Vem sempre a onda
Quantas vezes é possível
Começar tudo do início
Existe remédio para isso?
Quanto sacrifício
Transformar a dor em ofício
Mande quem sabe
Tratamento
Unguento para seu tormento
Mande um remédio
Preciso cura-la
Porque a amo
E já não posso mais ama-la
Por favor
Doutor
Pesquise
Se a medicina
Já entende
Como se faz nascer gente
De gente adulta
Não há luta mais dura
A vida é uma carnificina
E vai devorar a menina
E morrerá nela
Essa mulher
Que nunca nasceu
Quantas vezes
Ela correu aos olhos
Para ver lá fora
Encontrar quem passa
Apaixonar um homem
Quantas vezes
Ela desapareceu
Os olhos e a respiração
Respirando escuridão
O rosto
Desfigurado
Quanto estrago
Quem já viu
Algo capaz de causar isso
A uma pessoa
Não ser capaz
De suportar o amor
Não ser capaz
De suportar a paz
Onde mais posso encontrar
Alivio para ela
Traga remédio doutor
Que morrer de amor
A muito não se usa
E enlouquecer é simples
Não é possível viver assim
Por tempo indefinido
Não é possível
Se perder pelas cores
De algo invisível
Me pergunto
O que acontece com seus olhos
Buracos negros
Absurdamente sólidos
Sugando tudo com sua gravidade
Olhos negros de verdade
Doutor
Não fuja da sua responsabilidade
Mande remédios
Urgentemente
Para um vulto
Que arde em febre
Para mantê-la leve
Para que ela desperte
Suavemente
E acorde o amor na gente
Mande remédio
Que ela merece
Saúde
E se remédio lhe sobrar
Doutor
Mande remédio para mim
Everton Behenck
*Homenagem ao poetinha e o seu Desespero da Piedade.
Eu ganho outras cores
E as vezes a escuridão intensa
Do que se apresenta
A vida sempre será imensa
Para quem a perceba
Eu ganho os sentidos
Despidos
Ao mínimo indício
Do vento vivo
Que sopra suas notas
E também a surdez
Da palavra torta
Eu ganho a possibilidade
De estar além do que se vê
Mas quem disse que é bonito
O que está escondido
Eu ganho o que é quase imperceptível
Mas quem disse
Que aquilo que quase não se percebe
Não é capaz de matar o que antes era alegre
Eu ganho a possibilidade linda
De ver tudo o que a vida
Muitas vezes não explica
E em troca sofro de forma explícita
Aonde ninguém mais sofreria
Everton Behenck
Poema resposta para que minha querida amiga Julia Duarte utilizasse em uma aula.
Eu queria mesmo
Era ter Marte em Libra
E tudo que isso significa
Uma vela acesa
Em frente a santa Maria
Rogai por nós
Eu querida ter um galho de arruda
E um copo d’agua
Na soleira da porta
Eu queria a sagrada oração
A carta celeste
E as armas de Jorge
Eu queria as duas mãos ao céu
E a certeza da resposta
Ser avisado em sonhos
Premonitórios
Ter calafrios
E um sexto sentido
Jogar os búzios
Fluidificar a água
Transcender o nada
Eu queria o pai
O filho
E o espírito santo
A remissão dos pecados
Eu queria uma bíblia
Embaixo do braço
Pai
Porque me abandonaste
Eu queria mesmo
A segurança do que é divino
Depois de pagar o dízimo
Mas só conheço
Senhor
Da fé e da vida eterna
Dar todo o amor
Para ela
Pequenina
O que você nos ensina
Sozinha
Em sua cama de cimento
Que a vida passa
E não vemos
E que um dia
Não voltaremos
Hoje você dorme
Como todos dormiremos
E quem sabe
O chão sonha contigo
Molhado pelas lagrimas dos filhos
Será que você sabe
Nessa noite enorme
Que te cobre
Que salvou meu casamento
Com essa sabedoria
Que já não respira
Eu olho o espelho
E te procuro ali dentro
Esses vinte e cinco por cento
De mim que te cabem
Você enganou a morte
Tantas vezes
Você ficou
naquele chão quente
Mas voltou com a gente
Aquele bebê
Tem teus olhos
E te pertence
E meu filho
Também será parecido contigo
E só existirá por tua causa
De muitas formas
Que longa tua vida pequenina
Que acaba e nunca termina
Everton Behenck
A Não Editora lançou os Dentes da Delicadeza no formato e-book.
E por apensas R$7,90.
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Preciso escrever um poema
Mesmo que nada em mim
Tenha um rosto
Para virar
Em direção ao verso
A cidade pressente a treva
E a noite não é mais
Que um diluvio de sombra
Mas preciso urgentemente
Escrever um poema
Antes que escureça
Meus olhos
E minhas mãos
Não seguram
A palavra que passa
A ausência me impede
Com sua mão enorme
E sou como um boneco
De ventríloquo
Que ninguém manipula
Os olhos abertos
E a face muda
Os computadores todos escrevem:
Não há poesia
Mas preciso escrever um poema
Com a urgência
De quem sangra
Sem que se perceba
Preciso escrever
Esse poema
Para que ele me convença
Everton Behenck
O prodígio de linguagem
Na face apaixonada
A inconsequência dos olhos
Vidrados
O sono desprotegido
O passo emancipado de si
O gesto multiplicado
A bagagem de uma vida
Na mala de viagem
Atravessar o dia
Como a um oceano
Os remos invisíveis
Na água invisível
Enfrentando o vento
Que não vemos
Os dedos escrevendo no ar
As palavras de um idioma
Próprio
Uma oração sem deus ou milagre
E por isso santa e infinita
A boca selada
Pela língua inútil
O amor de todos os amores
Juntos
Na violência onde tudo é criado
A partir do passado
Tudo o que sabemos do amor
E todo o amor que perdemos
Renascendo imenso
No amor que temos
Everton Behenck
Eu não curto filmes
Com cães e bebes
Nem candidatos
Que parecem cães e bebes.
Eu gosto mais
Dos animais
Do que gosto
De pessoas que gostam de animais
Quem nos protege delas
Eu não curto as fotos
Que tem um propósito definido
E mal escondido
Eu não curto os recados
Cifrados
As mensagens sem endereço
Esse exibicionismo do segredo
Eu não curto
Os eremitas
Olhando sombras virtuais na parede
Que compartilham sua solidão
E nunca ficam sós
Eu não curto muito
Quando percebo os jovens
Me envelhecendo
Porque não compreendo
Sua velhice
A juventude deveria ser ingênua
E louca
E por isso única
E de razão infinita
E morta de vontade
De empurrar as paredes
Temos muitos trilhos
E poucas locomotivas
Muitos gênios
E pouca genialidade
Eu não curto nenhum pouco
Essa confusão que estamos fazendo
Entre arte e opinião
Opinião e piada
Preconceito
E intimidade
Não curto as fotos
Dos pratos
Dos chefs de cozinha
Que preparam cuidadosamente
As historias mais cheias de aromas
E falta de provas
Eu não curto
Essa propriedade
Antes exclusiva da página em branco
De aceitar qualquer coisa
Eu não curto muito
Esse ativismo de sofá
Mas acho muito melhor
Do que deixar de falar no assunto
Eu coloco aqui esses poemas
Sem fazer a mínima ideia
Do motivo por trás disso
E me sinto
Muito ridículo
Acho que é meu jeito de rezar
Mas não curto nenhum pouco
Tudo que é religioso
Eu odeio
As mensagens de fé
Que me ofendem a crença
Eu não curto esse extremismo
Mas estamos em guerra
Ateus e todos os outros
Tipos de tolos
Deus está tentando
Governar nossa maior cidade
E nunca tivemos tanto medo
Mas o que eu curto
Muito mesmo
É ver todos tão empenhados
Em pintar seus auto retratos
Everton Behenck
Eu devia ter morrido
Embriagado de vicio
Eu devia ter partido
Em mil pedaços
Os olhos exaustos
Eu devia ter visto
Um túnel
Iluminado
Mas só enxergo
Os flashes eternos
Os momentos
De prazer e sofrimento
E o som fervendo a noite
Noite a dentro
Eu só me vejo
Correndo
Na velocidade
Do que pretende voar
E partir
Eu devia morrer
E morri
Mas ainda estou aqui
Everton Behenck