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Pense que um dia
Duas balas se chocaram

No campo de batalha em Galiipoli
Em 1915

Uma bala cravada na outra
Como um coração flechado

Uma buscando a outra
Sem querer

Duas balas

Que desistiram de matar
Duas tragédias que se anularam

O amor é sempre isso
Duas balas que se chocam

No campo de batalha

Everton BehenckScreen Shot 2017-04-03 at 16.07.04

Aprendi com tua pele
Que poemas de amor
Geralmente não falam de amor

Poemas
Principalmente os de amor

Falam sobre o desejo íntimo
De inventar o infinito

Falam sobre nossa coragem
De enfrentar o abismo

Falam da nossa vontade de sonhar
(E todo sonho é invenção)

Poemas de amor são quase sempre egoístas

Atiçam o sofrimento
Porque quase sempre o melhor verso

Nasce onde dói

Poemas de amor
Sofrem de beleza

E para achar isso que dói bonito

Um poema de amor faz o que for preciso
Um poema de amor pode muito bem ser horrível

E muitas vezes é

Ninguém deveria pagar o preço
De um lindo poema de amor

A vida é muito mais bonita que a poesia

Isso por exemplo
Que não é um poema de amor

E sim um simples post de Facebook

Tem muito mais valor
Que uma tonelada de poemas de amor

E foi tua pele que me ensinou

Everton Behenck

Segunda Carta a São Paulo.

Já sou pedra de tua pedra
Cidade incerta

Foi você que me deu os olhos dela
De cor mutante e eterna

Para que eu nunca te acusasse de ser cinza

Você
Que tanto já viu matar e morrer

Me deixou sofrer
Até que arrancasse de mim

Todas as outras cidades

E mastigou nos dentes de concreto
Tudo que eu achava certo

Para que eu de fato vivesse em ti
Respirasse tua fumaça

E aprendesse tua dura lição de amor

O amor é mesmo raro
São Paulo

Como uma flor no asfalto
E só existe quando é concreto

Existe mais amor em você
SP

Do que em tantos outros lugares
Que se dizem doces e solares

É tua a coragem de escrever
A mais crua verdade

Com tuas tintas e letras particulares
Que gritam ainda mais alto quando são apagadas

Hoje tua carta se desdobra
E é tua a minha história

Você já não é a cidade onde mora minha vida
Agora, São Paulo

Você é um lugar que me habita

Everton Behenck

 

 

Todos tivemos

Esse desejo infantil

De escrever o futuro
Como uma carta para si

Todos tivemos um beijo
Que nos cortou a voz

E uma boca a inventar
Para que a luz tivesse a quem corresponder

Todos tivemos a sensação
De um dia ter todos os nossos anos nas mãos

E então envelhecer
E já não ter

E não ser o que tanto quis

Todo mundo tem
O que não foi

Só o que não foi permanece

Todos tivemos
Um filho

Dentro dos planos
De ter um filho

E um filho dentro de nós
Morreu

Todos tivemos alegria

Que em tudo sabia
Não durar

Mas sempre resta um dia
Como um afogado

Prestes a ser resgatado

A vida
Essa água entrando nos pulmões

Todos tivemos o espelho
Que um dia deixa de nos ser

E como faz para reconhecer
Dentro do rosto que nos restou

O que há para refletir

Todos tivemos um bom amigo
Que morreu

E outro que mudou

E qual desses dois
Seremos nós

Todos tivemos

Um lado de dentro para olhar
O de fora para exibir

E tempo para se arrepender

Todos temos
Tanto para morrer

Mas temos o olhar

E nele o que ainda há
Tempo de ser

De duvidar
E entristecer

E com um pouco de sorte

Outro para encontrar
Antes que seja tarde

Depois da verdade

Everton Behenck

[Inspirado por Ana Mira]

Foto: Chsristopher McKenney.

A imagem pode conter: pessoas sentadas e atividades ao ar livre

Tento desenhar teu rosto novamente

Com a luz das palavras

Há palavra que ilumina
Há palavra que não diz nada

Triste mesmo
É quando são exatamente a mesma

Como agora

Só quem já chorou
Por não poder olhar nos olhos de alguém

Sabe o que é ser cego

E não há cegueira maior
Que a escuridão deliberada

Quando havia tanta luz
Onde agora não há nada

Quando você
Não quis me olhar nos olhos

Quando isso
Era todo contato possível

Queimou a retina do verso
De amor honesto que eu tinha

E voltei com a pálpebra dobrada
Depois amassada

Depois os olhos jogados no lixo
Esquecidos do que nunca viram

A pior imagem
É a miragem

Que a gente inventa e acredita
Só para ver alguma coisa bonita

Amor não é isso
Amor é essa foto

Que já não sei revelar

Tirada ainda
Com aquele velho filme

Que já não se fabrica

Everton Behenck

card amor

O mundo não vai acabar com uma bomba atômica disparada por um ditador coreano. O mundo acaba nos olhos da dona Ivana quando olha o filho sob um lençol que alguém trouxe, mais por nojo do que por compaixão ao corpo.

O mundo não vai acabar com uma onda gigantesca e faminta que vai derrubar o Empire State e acabar com a ironia da Estátua da Liberdade. O mundo acaba nos olhos da Luísa de seis anos. Quando viu apagar a luz e o tio Luís lhe deu um beijo diferente e disse que tinha um segredo. E que ela era bonita e eles tinham que ficar bem juntos porque tinham o mesmo nome. E depois doía.

Era o mundo que tinha acabado.

O mundo não vai acabar em um terremoto. Que vai ruir o Corcovado e o monte Fuji ao mesmo tempo no maior espetáculo da terra.

O mundo vai acabar em silêncio.

No riso doído e pequeno de um homem sem nome de quem roubaram tudo. Até a imagem. O mundo acaba nos olhos que não veem nada naquele canto da calçada. E que cheiro horrível.

O mundo não vai acabar em uma epidemia gigantesca de alguma doença transmitida pelo ar ou pelo gozo. Que vai matar homens como moscas e quando alguém se aproximar da cura será tarde. O mundo acaba quando o menino passa em frente a minha casa voltando da escola com o dente quebrado e o rosto cortado e o nariz correndo de tanto chorar pra dentro, que menino que anda daquele jeito tem que tomar soco na cara e chute no cu pra aprender a ser homem.

E que sirva de lição praquela outra que esconde os peitos na blusa apertada por baixo da camisa solta. Aquele tecido asfixiando um par de seios é onde o mundo acaba.

O mundo não vai acabar em uma guerra onde homens matarão homens e drones sem sangue matarão mulheres e crianças. E que bom, assim dá menos trabalho pro psiquiatra do exército que vai ser o último a ir pro campo de batalha quando já não sobrar quase nada.

O mundo não vai acabar com tanques.

O mundo acaba quando Mauro não suporta olhar pra sua identidade e sente raiva de si mesmo porque não era para ser daquele jeito. E quando olha na TV um deputado diz aos berros que era melhor que ele estivesse morto e a economia agradece e pensa, sozinho no quarto, que ninguém pode saber, porque o menino aquele levou soco e chute no cu apenas por se mover diferente, imagina ele que é mulher por dentro. E se é pra morrer que seja com veneno, de vestido e batom vermelho, e ele mesmo faz o serviço e acredita que finalmente morre como todo mundo queria.

Mas morre bonita.

O mundo não vai acabar em gritaria e desespero porque vem o meteoro e acerta o planeta e mata de novo os dinossauros em que nos transformamos. E o céu fica lindo em fogo e até parece santo cavaleiro do apocalipse.

A Bíblia estava certa.

O mundo não vai acabar em um grande evento científico e astro físico. O mundo acaba junto com a garrafa e o tapa na cara porque eu sou o homem dessa casa e mulher minha não se dá ao desfrute e abaixa essa música e cala a boca e me chupa sua puta e ela quase não respira a boca cheia com o pau meio mole e quando os olhos deles se encontram: é aí que o mundo acaba.

O mundo não vai acabar com a cheia dos mares, Los Angeles afogada no oceano que tenta ser o céu de repente. O mundo acaba quando a gente já não se olha e quando fala não se entende e quando canta não se emociona e quando vai pra cama não beija e quando beija mal se encosta e quando acorda, não se levanta por mais que saia da cama e quando anda pela rua está sozinho até quando se esbarra e quando para pra pensar procura logo outra coisa pra fazer que dor insuportável que de tanto doer não dói e que ar esse que eu não respiro pensando em tudo isso e olha o céu. Não tinha visto.

O mundo acaba em um dia lindo.

Sentir essa saudade. Olhar para essa saudade. Comer essa saudade como quem mastiga uma pedra e quebra os dentes e sangra e engole com dor o que nunca vai ser digerido.

Entender essa saudade. Aceitá-la.

Como tive de aceitar que você, mais uma vez, não acordou ao meu lado. Como tive que aceitar que não passamos desse mar de letras que se empilham sobre a tela fria, buscando calor e verdade nos olhos de quem lê. Somos esses olhos estáticos na foto ao lado da fala muda cheia de erros de digitação.

É saudade.

Passar a mão sobre seu pelo feito com cada beijo que não pude dar.Tenho andado pela cidade estranha. As vezes bebo. E enlouqueço. E viro mais de uma noite e não durmo, nem choro. A melhor meta anfetamina não dá mais que algumas horas de alegria química.

Espanta o sono. Quase espanta a falta.

Mas não sou mais esse. As vezes me mantenho terrivelmente sóbrio. E tampouco sei como existir nessa pele em que também não me reconheço. Sou de fato esse que está ao seu lado.

E não existe.

Sou esse fantasma. Sem corpo. Sem túmulo. Sem voz e sem forças. Para unir com as mãos as centenas de quilômetros e os destinos que insistem em manterem-se estranhos. O quanto ainda teremos de brigar com a vida empunhando apenas a palavra de amor?

A vontade de realizar o que a vida impede com tanta competência. Essa coragem de levantar a voz contra ela e cuspir amor na sua cara. Não temer sua vingança. O que pode a vida contra quem se ama?

O amor é essa matéria estranha. O amor não respeita as leis da física, o amor não se submete.

O amor é o que coloco no lugar dos olhos. Para ver dentro dessa saudade. E dentro dessa saudade, existe um retrato onde estamos velhos.

Sei que a velocidade se atira sobre minha pele e deixa marcas. Cada vez mais fundas. E elas não dizem nada. Minha pele não é nenhuma escritura.

Mais um ano avança faminto sem que eu perceba e já é novembro e janeiro ainda esquenta os cabelos, que não tenho tempo de cortar. Será que o homem que trabalha cortando cabelos, no salão da praça Alves, pensa no tempo caindo no chão? Pensa na vida perdida ali enquanto passa a vassoura? E joga no lixo os meses de outra pessoa. Quem sabe vividos? Quem sabe desperdiçados?

Uma amiga se oferece para me ouvir. Não sei o que dizer. Digo apenas que sou forte. Ao mesmo tempo, procuro a força dentro de mim como alguém atrasado procura as chaves de casa. Busco só para mostrar a ela. Não encontro. Não vou sair de casa hoje.

A distância me impressiona por sua estatura e as vezes parece que nunca saltaremos sobre ela. Mas eu ouço a voz do amor, como uma criança perdida do outro lado de um muro que divide cidades. Meu peito é a Berlim dos anos 80. Pelo menos há o alento de viver no futuro daquele tempo. Sei que o muro cairá. E nós, essa família separada pela guerra, nos encontraremos.

Tenho vendido caro meu tempo para fazer com que outros queiram coisas que eu mesmo não quero. Tenho vendido caro meu tempo. Mentira. O tempo não tem preço e sempre fará falta. O tempo falta.

E quando acabar?

O que restará de mim além do meu nome? Quanto tempo dura o nome de um homem? Cravo essas palavras no nada, querendo que elas digam mais que meu batismo. Que elas me esperem passar. Que não se dissipem tão cedo como a fala ao vento.

O mundo todo está morrendo em silêncio. Não me acorde.

O mundo veio aqui
Para ficar só

Não disse nada
Nem girar, girava

O mundo veio aqui

Para chorar lama
Para esquecer a agressão
Que é ver coisas e pessoas

Valerem nada
Na sexta feira amarga

O mundo veio aqui
Para ficar só

Como o menino estava só
Morto na praia

Como o amor estava só
Quando começaram os disparos

O mundo veio aqui
Para ficar só

Lembrar seus mortos
E sentir-se pequeno

O mundo está aqui dentro

E estamos todos
Morrendo

Foto de Everton Behenck.