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Pense que um dia
Duas balas se chocaram
No campo de batalha em Galiipoli
Em 1915
Uma bala cravada na outra
Como um coração flechado
Uma buscando a outra
Sem querer
Duas balas
Que desistiram de matar
Duas tragédias que se anularam
O amor é sempre isso
Duas balas que se chocam
No campo de batalha
Everton Behenck
Aprendi com tua pele
Que poemas de amor
Geralmente não falam de amor
Poemas
Principalmente os de amor
Falam sobre o desejo íntimo
De inventar o infinito
Falam sobre nossa coragem
De enfrentar o abismo
Falam da nossa vontade de sonhar
(E todo sonho é invenção)
Poemas de amor são quase sempre egoístas
Atiçam o sofrimento
Porque quase sempre o melhor verso
Nasce onde dói
Poemas de amor
Sofrem de beleza
E para achar isso que dói bonito
Um poema de amor faz o que for preciso
Um poema de amor pode muito bem ser horrível
E muitas vezes é
Ninguém deveria pagar o preço
De um lindo poema de amor
A vida é muito mais bonita que a poesia
Isso por exemplo
Que não é um poema de amor
E sim um simples post de Facebook
Tem muito mais valor
Que uma tonelada de poemas de amor
E foi tua pele que me ensinou
Everton Behenck
Já sou pedra de tua pedra
Cidade incerta
Foi você que me deu os olhos dela
De cor mutante e eterna
Para que eu nunca te acusasse de ser cinza
Você
Que tanto já viu matar e morrer
Me deixou sofrer
Até que arrancasse de mim
Todas as outras cidades
E mastigou nos dentes de concreto
Tudo que eu achava certo
Para que eu de fato vivesse em ti
Respirasse tua fumaça
E aprendesse tua dura lição de amor
O amor é mesmo raro
São Paulo
Como uma flor no asfalto
E só existe quando é concreto
Existe mais amor em você
SP
Do que em tantos outros lugares
Que se dizem doces e solares
É tua a coragem de escrever
A mais crua verdade
Com tuas tintas e letras particulares
Que gritam ainda mais alto quando são apagadas
Hoje tua carta se desdobra
E é tua a minha história
Você já não é a cidade onde mora minha vida
Agora, São Paulo
Você é um lugar que me habita
Everton Behenck
Todos tivemos
Esse desejo infantil
De escrever o futuro
Como uma carta para si
Todos tivemos um beijo
Que nos cortou a voz
E uma boca a inventar
Para que a luz tivesse a quem corresponder
Todos tivemos a sensação
De um dia ter todos os nossos anos nas mãos
E então envelhecer
E já não ter
E não ser o que tanto quis
Todo mundo tem
O que não foi
Só o que não foi permanece
Todos tivemos
Um filho
Dentro dos planos
De ter um filho
E um filho dentro de nós
Morreu
Todos tivemos alegria
Que em tudo sabia
Não durar
Mas sempre resta um dia
Como um afogado
Prestes a ser resgatado
A vida
Essa água entrando nos pulmões
Todos tivemos o espelho
Que um dia deixa de nos ser
E como faz para reconhecer
Dentro do rosto que nos restou
O que há para refletir
Todos tivemos um bom amigo
Que morreu
E outro que mudou
E qual desses dois
Seremos nós
Todos tivemos
Um lado de dentro para olhar
O de fora para exibir
E tempo para se arrepender
Todos temos
Tanto para morrer
Mas temos o olhar
E nele o que ainda há
Tempo de ser
De duvidar
E entristecer
E com um pouco de sorte
Outro para encontrar
Antes que seja tarde
Depois da verdade
Everton Behenck
[Inspirado por Ana Mira]
Foto: Chsristopher McKenney.

Tento desenhar teu rosto novamente
Com a luz das palavras
Há palavra que ilumina
Há palavra que não diz nada
Triste mesmo
É quando são exatamente a mesma
Como agora
Só quem já chorou
Por não poder olhar nos olhos de alguém
Sabe o que é ser cego
E não há cegueira maior
Que a escuridão deliberada
Quando havia tanta luz
Onde agora não há nada
Quando você
Não quis me olhar nos olhos
Quando isso
Era todo contato possível
Queimou a retina do verso
De amor honesto que eu tinha
E voltei com a pálpebra dobrada
Depois amassada
Depois os olhos jogados no lixo
Esquecidos do que nunca viram
A pior imagem
É a miragem
Que a gente inventa e acredita
Só para ver alguma coisa bonita
Amor não é isso
Amor é essa foto
Que já não sei revelar
Tirada ainda
Com aquele velho filme
Que já não se fabrica
Everton Behenck
O mundo não vai acabar com uma bomba atômica disparada por um ditador coreano. O mundo acaba nos olhos da dona Ivana quando olha o filho sob um lençol que alguém trouxe, mais por nojo do que por compaixão ao corpo.
O mundo não vai acabar com uma onda gigantesca e faminta que vai derrubar o Empire State e acabar com a ironia da Estátua da Liberdade. O mundo acaba nos olhos da Luísa de seis anos. Quando viu apagar a luz e o tio Luís lhe deu um beijo diferente e disse que tinha um segredo. E que ela era bonita e eles tinham que ficar bem juntos porque tinham o mesmo nome. E depois doía.
Era o mundo que tinha acabado.
O mundo não vai acabar em um terremoto. Que vai ruir o Corcovado e o monte Fuji ao mesmo tempo no maior espetáculo da terra.
O mundo vai acabar em silêncio.
No riso doído e pequeno de um homem sem nome de quem roubaram tudo. Até a imagem. O mundo acaba nos olhos que não veem nada naquele canto da calçada. E que cheiro horrível.
O mundo não vai acabar em uma epidemia gigantesca de alguma doença transmitida pelo ar ou pelo gozo. Que vai matar homens como moscas e quando alguém se aproximar da cura será tarde. O mundo acaba quando o menino passa em frente a minha casa voltando da escola com o dente quebrado e o rosto cortado e o nariz correndo de tanto chorar pra dentro, que menino que anda daquele jeito tem que tomar soco na cara e chute no cu pra aprender a ser homem.
E que sirva de lição praquela outra que esconde os peitos na blusa apertada por baixo da camisa solta. Aquele tecido asfixiando um par de seios é onde o mundo acaba.
O mundo não vai acabar em uma guerra onde homens matarão homens e drones sem sangue matarão mulheres e crianças. E que bom, assim dá menos trabalho pro psiquiatra do exército que vai ser o último a ir pro campo de batalha quando já não sobrar quase nada.
O mundo não vai acabar com tanques.
O mundo acaba quando Mauro não suporta olhar pra sua identidade e sente raiva de si mesmo porque não era para ser daquele jeito. E quando olha na TV um deputado diz aos berros que era melhor que ele estivesse morto e a economia agradece e pensa, sozinho no quarto, que ninguém pode saber, porque o menino aquele levou soco e chute no cu apenas por se mover diferente, imagina ele que é mulher por dentro. E se é pra morrer que seja com veneno, de vestido e batom vermelho, e ele mesmo faz o serviço e acredita que finalmente morre como todo mundo queria.
Mas morre bonita.
O mundo não vai acabar em gritaria e desespero porque vem o meteoro e acerta o planeta e mata de novo os dinossauros em que nos transformamos. E o céu fica lindo em fogo e até parece santo cavaleiro do apocalipse.
A Bíblia estava certa.
O mundo não vai acabar em um grande evento científico e astro físico. O mundo acaba junto com a garrafa e o tapa na cara porque eu sou o homem dessa casa e mulher minha não se dá ao desfrute e abaixa essa música e cala a boca e me chupa sua puta e ela quase não respira a boca cheia com o pau meio mole e quando os olhos deles se encontram: é aí que o mundo acaba.
O mundo não vai acabar com a cheia dos mares, Los Angeles afogada no oceano que tenta ser o céu de repente. O mundo acaba quando a gente já não se olha e quando fala não se entende e quando canta não se emociona e quando vai pra cama não beija e quando beija mal se encosta e quando acorda, não se levanta por mais que saia da cama e quando anda pela rua está sozinho até quando se esbarra e quando para pra pensar procura logo outra coisa pra fazer que dor insuportável que de tanto doer não dói e que ar esse que eu não respiro pensando em tudo isso e olha o céu. Não tinha visto.
O mundo acaba em um dia lindo.
Sentir essa saudade. Olhar para essa saudade. Comer essa saudade como quem mastiga uma pedra e quebra os dentes e sangra e engole com dor o que nunca vai ser digerido.
Entender essa saudade. Aceitá-la.
Como tive de aceitar que você, mais uma vez, não acordou ao meu lado. Como tive que aceitar que não passamos desse mar de letras que se empilham sobre a tela fria, buscando calor e verdade nos olhos de quem lê. Somos esses olhos estáticos na foto ao lado da fala muda cheia de erros de digitação.
É saudade.
Passar a mão sobre seu pelo feito com cada beijo que não pude dar.Tenho andado pela cidade estranha. As vezes bebo. E enlouqueço. E viro mais de uma noite e não durmo, nem choro. A melhor meta anfetamina não dá mais que algumas horas de alegria química.
Espanta o sono. Quase espanta a falta.
Mas não sou mais esse. As vezes me mantenho terrivelmente sóbrio. E tampouco sei como existir nessa pele em que também não me reconheço. Sou de fato esse que está ao seu lado.
E não existe.
Sou esse fantasma. Sem corpo. Sem túmulo. Sem voz e sem forças. Para unir com as mãos as centenas de quilômetros e os destinos que insistem em manterem-se estranhos. O quanto ainda teremos de brigar com a vida empunhando apenas a palavra de amor?
A vontade de realizar o que a vida impede com tanta competência. Essa coragem de levantar a voz contra ela e cuspir amor na sua cara. Não temer sua vingança. O que pode a vida contra quem se ama?
O amor é essa matéria estranha. O amor não respeita as leis da física, o amor não se submete.
O amor é o que coloco no lugar dos olhos. Para ver dentro dessa saudade. E dentro dessa saudade, existe um retrato onde estamos velhos.
Sei que a velocidade se atira sobre minha pele e deixa marcas. Cada vez mais fundas. E elas não dizem nada. Minha pele não é nenhuma escritura.
Mais um ano avança faminto sem que eu perceba e já é novembro e janeiro ainda esquenta os cabelos, que não tenho tempo de cortar. Será que o homem que trabalha cortando cabelos, no salão da praça Alves, pensa no tempo caindo no chão? Pensa na vida perdida ali enquanto passa a vassoura? E joga no lixo os meses de outra pessoa. Quem sabe vividos? Quem sabe desperdiçados?
Uma amiga se oferece para me ouvir. Não sei o que dizer. Digo apenas que sou forte. Ao mesmo tempo, procuro a força dentro de mim como alguém atrasado procura as chaves de casa. Busco só para mostrar a ela. Não encontro. Não vou sair de casa hoje.
A distância me impressiona por sua estatura e as vezes parece que nunca saltaremos sobre ela. Mas eu ouço a voz do amor, como uma criança perdida do outro lado de um muro que divide cidades. Meu peito é a Berlim dos anos 80. Pelo menos há o alento de viver no futuro daquele tempo. Sei que o muro cairá. E nós, essa família separada pela guerra, nos encontraremos.
Tenho vendido caro meu tempo para fazer com que outros queiram coisas que eu mesmo não quero. Tenho vendido caro meu tempo. Mentira. O tempo não tem preço e sempre fará falta. O tempo falta.
E quando acabar?
O que restará de mim além do meu nome? Quanto tempo dura o nome de um homem? Cravo essas palavras no nada, querendo que elas digam mais que meu batismo. Que elas me esperem passar. Que não se dissipem tão cedo como a fala ao vento.
O mundo todo está morrendo em silêncio. Não me acorde.
O mundo veio aqui
Para ficar só
Não disse nada
Nem girar, girava
O mundo veio aqui
Para chorar lama
Para esquecer a agressão
Que é ver coisas e pessoas
Valerem nada
Na sexta feira amarga
O mundo veio aqui
Para ficar só
Como o menino estava só
Morto na praia
Como o amor estava só
Quando começaram os disparos
O mundo veio aqui
Para ficar só
Lembrar seus mortos
E sentir-se pequeno
O mundo está aqui dentro
E estamos todos
Morrendo
