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As vezes
Tenho certeza
Que explodirei a cabeça
Em algum momento
Ou tomarei veneno
Quando ficar velho
E muito mais
Cansado
Paro
E digo
A um grilo surdo
Que mora em meu ouvido
Digo alto
Para que ele repita
Nada mais brega
Que um poeta
Suicida
Everton Behenck
Não espero que nosso amor
Quebre seus ossos
Para caber em outro corpo
Não vou forçar
A reencarnação
Temos nossas próprias
Cores inóspitas
E não pretendemos
Transformar um no outro
Para que eles se anulem
Eu existo
Para que você exista
E hoje
Nenhum de nós liga
Para as coisas que nos separam
Sem que nos afastem
Não somos metades
Nem a terra prometida
Somos humanos
E isso é ter algo faltando
Não somos o que se encaixa
Nem o que se completa
Alguns lugares foram feitos
Para ficarem vazios
E ficarão
Não somos
Almas gêmeas
Ela fala com seu anjo
Enquanto eu
Enfio o dedo no nariz de deus
Não pertencemos um ao outro
Sendo que a vida pode nos tirar
A qualquer hora
Sem maiores explicações
E isso
Faz toda diferença para mim
Nós não somos um casal de novela
Nem impressa
Nem das oito
Nós não somos espelho
Um do outro
Não olho para ela para me ver
Olho para ela para vê-la
Mas isso não impede que ela seja
Uma espécie de versão de mim
Que existiria em algum universo
Paralelo
Somos um encontro
Fundador na vida do doutro
Nós
Nos inauguramos
Somos o hemisfério esquerdo
E direito
Do mesmo cérebro
Somos o exato instante
Do ataque
Epilético
Depois
Somos o remédio
Everton Behenck
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Preciso escrever um poema
Mesmo que nada em mim
Tenha um rosto
Para virar
Em direção ao verso
A cidade pressente a treva
E a noite não é mais
Que um diluvio de sombra
Mas preciso urgentemente
Escrever um poema
Antes que escureça
Meus olhos
E minhas mãos
Não seguram
A palavra que passa
A ausência me impede
Com sua mão enorme
E sou como um boneco
De ventríloquo
Que ninguém manipula
Os olhos abertos
E a face muda
Os computadores todos escrevem:
Não há poesia
Mas preciso escrever um poema
Com a urgência
De quem sangra
Sem que se perceba
Preciso escrever
Esse poema
Para que ele me convença
Everton Behenck
Tudo
Lentamente
Dentro de mim
Se petrifica
A voz de pedra
Caindo da boca
Aberta
Dizendo coisas
A si mesmo
Que multiplicam o peso
Sob a pele
Pedra incandescente
Queimando o que antes
Amava livremente
O sonho de pedra
Cada vez mais bruta
De que duas pessoas possam mesmo
Ficarem juntas
Tenho medo
De ser tão concreto
Minhas mãos de pedra
Os dedos de pedra
As costelas de pedra
E a dor imensa
De tirar dos olhos
O pequeno brilho
De um cristal aflito
Everton Behenck
Eu devia ter morrido
Embriagado de vicio
Eu devia ter partido
Em mil pedaços
Os olhos exaustos
Eu devia ter visto
Um túnel
Iluminado
Mas só enxergo
Os flashes eternos
Os momentos
De prazer e sofrimento
E o som fervendo a noite
Noite a dentro
Eu só me vejo
Correndo
Na velocidade
Do que pretende voar
E partir
Eu devia morrer
E morri
Mas ainda estou aqui
Everton Behenck
A querida poeta carioca Maria Rezende é uma voz em festa. Além de uma grande poeta. Aqui me dá um presente. Num dia disse Hilda Hilst no outro a mim. Eu não podia ficar mais feliz. E conheçam a Maria!
Eu e minha falta imensa
De poesia
Eu e minha loucura adormecida
Eu e minha vontade
De comer a tarde
Cravando as unhas
Rasgando nos dentes
A calma aparente
Eu e minha terapia ocupacional
Para proteger uma mão da outra
Eu e minhas porções integrais
E frutas frescas
Recém arrancadas
De uma terra sem alma
Eu e minha fraqueza
Na pele arrasada
Nas mãos que já não tremem
Nem acenam um beijo
Eu e minha vontade insana
De revirar a cama e os livros
E derrubar uma parede atrás da outra
Só com a força do pensamento
Eu e esse outro de mim
Preso
Everton Behenck
Você já sabe
Que irá morrer
Talvez em breve
E que será
Praticamente inevitável
Um tanto de dor
Prática e física
E tubos nas narinas
Você já sabe
Que atrás dos olhos
Está e sempre esteve
Irremediavelmente
Só
Você já sabe
Que o amor nasce
E morre
Pelos mais diversos
Motivos
E que geralmente
As pessoas oferecem
O que não possuem
Enquanto exigem
O que você não tem
E que até perceberem isso
Serão felizes
Você já sabe
Que o amor
É uma intenção
E sabe que isso
É muito bonito
Você sabe que a fé
Foi feita
Para que você não acredite
Cegamente
Nisso tudo que sabe
A natureza criou a fé
Para garantir que você faça
A sua parte
Até que chegue
Cedo ou tarde
Com mais
Ou menos alegria
Aos tubos nas narinas
Você sabe
Que algo te move sempre em frente
E é exatamente o mesmo
Que move um cão
Uma vaca ou uma ave
Mas agradeça
Porque eles não sabem
Já você
Bem
Você sabe
Você sabe que dinheiro
Carros, ternos, móveis
Não são garantias nenhuma
De humanidade
E se você não sabe
Descubra antes que seja tarde
Você já sabe
Que não voltará
Ninguém que lhe salve
O parto é sempre um ato
De abandono implícito
Viemos a esse mundo
Com um propósito bem definido
E nunca voltaremos
Aproveite sua estada
Da melhor forma possível
E não se cobre tanto
Todo mundo sabe o quanto
É difícil
Everton Behenck
O amor não irá nos salvar
O amor é forte
Mas ainda não é força
O amor não supera nada
O amor
Só mostra que existe o outro lado
Para que você salte sozinho
O amor não é o ponto de partida
Nem o ponto de chegada
O amor é o caminho
E sobre ele
Só anda quem não teme perder de vista
O amor não é um lugar para pedir abrigo
O amor chove do lado de dentro
O amor não é suficiente
Para que as pernas se movam
Ele é o motivo
Não é o motor
O amor é só um aceno
Quem corre somos nós
Quem precisa ser forte
É a carne não o amor
Quem precisa vencer as barreiras
São as mãos no exercício do carinho
São as palavras na dicção da delicadeza
O amor não justifica nada
O amor é só um vento
Mesmo sendo capaz de mover e revirar
O amor não vai soprar
Em vão por muito tempo
O amor é muito sutil e muito ingenuo
Quem precisa gritar somos nós
Para multiplicar a voz
Nós precisamos dizer através do amor
O amor não falará uma palavra
Ele não fará nosso trabalho
Árduo
O amor virá morar conosco
Mas somos nós
Com as mãos vazias
Que devemos construir a casa.
O amor não precisa de nós
O amor não nos deve fidelidade
Não nos deve respeito
O amor não nos deve nada
O amor pode ir embora
Quando bem entende
E o amor não prende o amor nos dentes
Somos nós
Com nossa pouca imensidão
Que temos de crescer
Nós que só rezamos ao espelho
É que devemos ter fé e doação
O amor não é o santo
Nem a oração.
Nem o milagre
O amor só aponta o dedo e pergunta da porta:
E agora?
Everton Behenck